Da roupa aos cosméticos, eles fazem os seus próprios produtos
Preferem saber o que consomem e, para isso, fazem os próprios cosméticos. Querem ser diferentes e decidem costurar as próprias roupas. O "Do It Yourself" (DIY) é uma tendência entre os jovens, por razões políticas, económicas e ambientais
A sigla já faz parte do vocabulário de muitos jovens, espalhada sobretudo pela Internet e entre quem, por um lado, quer poupar, e, por outro, gosta de ser diferente. O DIY (“Do It Yourself”, ou “Faz tu mesmo”) é uma tendência de consumo — ou de diminuição do mesmo — para a qual não há apenas uma única razão ou factor explicativo. Quem o defende é Sandra Coelho, socióloga que estuda os consumos alternativos e com quem o P3 falou, juntamente com uma técnica de estudos de mercado e três jovens que gostam de “meter mãos à obra”. Questões políticas, económicas e ambientais andam lado a lado quando se fala em fazer os próprios produtos. Ainda que seja tentador, a crise não pode ser apontada como factor preponderante para a popularidade do DIY, realça a socióloga. Até porque "o preço nem sempre ganha centralidade nas justificações das escolhas dos consumidores".
Catarina Sousa estava desempregada quando fez o primeiro “workshop” de sabonetes naturais, em 2012, em busca de novos conhecimentos. Desde então já aprendeu a fazer muitas outras coisas e adquiriu técnicas mais avançadas, “sobretudo através de tutoriais”, diz ao P3. “Há muito material disponível online, muitos livros sobre as propriedades das plantas e ingredientes naturais que podemos ter em casa e que são aproveitáveis para aplicações cosméticas, como o óleo de coco.”
Dos sabonetes passou para cremes, gel de banho, desodorizante, champô, bálsamo labial e, até, ambientadores para carros. Catarina, de 26 anos, faz tudo isto em casa, sem químicos, e anota todas as receitas num caderno. Deixou de comprar a maior parte destes produtos porque também os faz para venda: com uma tia criou uma marca própria, a Natuspurus, razão pela qual compensa trocar o supermercado pela cozinha. “Depende do estilo de vida que se quer viver, mas como actividade recreativa isto não compensa minimamente”, assegura.
“Apesar de não haver provas concretas sobre os efeitos que os químicos presentes nos produtos de cosmética têm em nós, usar coisas mais naturais não faz mal nenhum”, remata a jovem a viver em Lisboa, para quem as preocupações ambientais são um factor importante. “A consciência verde é algo que as novas gerações vão ter sempre muito mais do que as antigas, esta dualidade entre o bem estar do mundo e o bem estar das pessoas”, considera Paula Mateus, técnica de estudos de mercado na empresa Ipsos-Apeme. Para Sandra Coelho, “evitar o uso de químicos na confecção de determinados bens é uma forma de reduzir riscos e de preservar uma ideia de segurança”. “Os jovens têm algum controlo se produzirem os próprios bens [...] e conseguem, assim, manifestar-se contra a excessiva domesticação da natureza e dos elementos naturais.”
Costura, o regresso de um DIY antigo
Em 2012, Marina Sousa e Filipa Almeida aperceberam-se de que não havia muita oferta, no Porto, para quem quisesse aprender a costurar. As duas amigas, que se conheceram enquanto estudavam Design de Moda na Cooperativa Árvore, decidiram criar um atelier para ensinar “o público em geral” a fazer a própria roupa, acessórios ou pequenos objectos decorativos. “Há cada vez mais gente saturada do pronto-a-vestir, que procura coisas diferentes”, diz a também designer de comunicação Filipa, de 26 anos.
O Atelier de Costura Portuense nasceu, assim, para ensinar desde o básico da costura até técnicas mais complexas. Há cursos para todos os gostos, desde vestuário a decoração, passando até por enxovais para bebé. A grande mesa branca do espaço da rua da Picaria, na Baixa, enche-se várias vezes por semana. “As pessoas procuram-nos pelo prazer de parar e desligar. Querem um escape e, aqui, têm um resultado final concreto ao fim de duas horas”, explica Filipa.
“A costura está enraizada, sobretudo nas mulheres e a crise fez com que as pessoas fossem ao passado para aprender”, reflecte Marina, de 27 anos, que gostava de ver mais homens nos “workshops” que o atelier dinamiza e cujas peças são, muitas vezes, para oferecer. “Um produto feito por nós e que é oferecido aos outros não apenas um valor de uso, há toda uma carga simbólica e afectiva, uma questão de valores que não são apenas económicos e que podem marcar a diferença”, enquadra Sandra Coelho. Esta opinião vai ao encontro dos resultados de um estudo da Ipsos-Apeme sobre este tipo de consumos, feito a jovens entre os 25 e os 35 anos, que vivem sozinhos em Portugal Continental.
Marina tenta fazer tudo o que veste, comprando o mínimo possível nas grandes superfícies, e Filipa sente-se “cada vez mais atraída pelo DIY”. “Quantas mais coisas puder fazer em casa, melhor: transformar móveis e tratar madeiras, fazer pinturas, plantar hortas urbanas”, enumera Filipa. No Atelier de Costura Portuense — que agora também está presente no novo Mercado da Lionesa, em Leça do Balio —, as duas entusiastas do DIY criaram, também, um “kit” para quem quiser aprender a costurar sozinho, em casa. A ideia nasceu antes do Natal de 2013, mas o sucesso fez com que a venda dos “kits” “Faz tu mesmo” se prolongasse. Sacos do pão, bolsinhas ou porta-lenços são alguns dos objectos que Marina e Filipa idealizaram e do “kit”, que custa 22 euros, fazem parte um manual, um glossário, tecidos, linha e moldes, reaproveitados do material desperdiçado nos cursos.
Paula Mateus fala numa “maior receptividade para a economia paralela” por parte dos jovens, razão pela qual, diz, esta faixa da população está disposta "a comprar a outros e não a grandes marcas, através das redes sociais, por exemplo”. Ao mesmo tempo, nunca foi tão fácil criar um pequeno negócio, sobretudo online, alicerçado num “suporte de distribuição superior ao de antigamente, mais transversal e mais barato para quem quer iniciar”.