Guida recupera monos para casas que sejam "uma extensão de nós"
Criou o atelier Monstros, em Lisboa, para fugir a um trabalho que era um "verdadeiro pesadelo". Faz do lixo e de monos velhos verdadeiras peças de arte e quer mudar a forma como olhamos para o mobiliário antigo
Quando os índices de "stress" provocados pelo trabalho numa agência de "marketing" “estouraram” e o dia-a-dia se transformou num “verdadeiro pesadelo”, Guida Costa Santos percebeu que tinha de mudar de vida.
A primeira gravidez e a frequência de um curso de Marcenaria coincidiram com o assalto de coragem e foram o gatilho para que a mudança se efectivasse. Os Monstros surgiram numa cave sombria de Lisboa, em 2009, alimentados por um “mini-espólio” de projectos que Guida tinha concretizados em casa.
Neste atelier — entretanto deslocado para o centro de Lisboa, em Arroios — transformam-se velhos monos em novas peças. E a sustentabilidade é um assunto que se leva muito a sério.
O prazer em “acumular tarecos” foi herdado da avó. “Sempre que ia a casa dela descobria uma coisa nova. E fui juntando algumas peças e restaurando. Alem da carga emocional têm linhas que já não se vêem”, disse ao P3 numa conversa telefónica.
Casas únicas
A casa de Guida Costa Santos é quase exclusivamente decorada com peças que ela mesma recuperou. “A casa é uma extensão de nós mesmos. Entrar num casa e ver que é tudo do Ikea, tudo igual, é estranho”, diz a lisboeta, licenciada em Comunicação.
Apesar de não estar sozinha neste pensamento, Guida admite que concorrer com os preços de grandes marcas como o Ikea é impossível e que a “tradução do trabalho manual em preço” ainda é algo que poucos entendem.
“Sabia que havia muita gente interessada em peças diferentes. Mas até hoje continuo a ouvir muita gente dizer que é caro”, lamenta.
Os Monstros (o nome significa, literalmente, monos grandes) têm peças a partir de 40 euros e já venderam um toucador por 800 euros. “Tudo depende do material da peça, do tipo de restauro, do tempo gasto”, explica.
Os monos são quase sempre recolhidos na rua ou oferecidos. Essa é também parte da filosofia do espaço: “Comecei a aperceber-me que andava por Lisboa e encontrava frequentemente cadeiras e bancos e mesas... Não fazia sentido. Quando me disseram que aquilo era incinerado fiquei chocada. Alem de ter uma perspectiva de coleccionismo e de gostar de coisas antigas há um lado verde que não podemos esquecer: não há razão para desperdiçar”, argumentou.
Alem de trabalhar em peças que encontra, Guida Costa Santos faz restauro e recuperação por encomenda. E essa é, alias, a parte que mais tempo lhe ocupa. É por isso que ainda não se dedicou a uma ideia que promete pôr em prática um dia destes: a criação de uma linha de mobiliário para crianças.
“Primeiro porque tenho filhos, depois porque o mobiliário que vejo é um pouco... fraquinho”, sorri: “As crianças têm um imaginário tão rico, há tanta coisa para criar.”
Retratos de família
Outra criação dos Monstros são os bonecos feitos em cartão e papel entregues dentro de caixas de vinho. A ideia foi transformada em parte do negócio por incentivo dos amigos, que elogiavam a “família” que Guida criou para oferecer ao marido, Ricardo Dias.
“As pessoas iam lá a casa e diziam que pagavam por uma coisa daquelas se eu produzisse”, recorda. Assim foram criados os “retratos de família”, que podem incluir apenas uma pessoa ou toda a família (animais incluídos). Os orçamentos são feitos à medida de cada pedido, mas por uma caixa com uma pessoa pode pagar 35 euros, enquanto uma família com pai, mãe e criança custa 75 euros.
Duas vezes por mês, os Monstros organizam também workshops de restauro e recuperação de móveis. Com turmas de duas ou três pessoas, as oficinas têm o preço de 100 euros e são divididas por três dias, num total de 10 horas. Volta e meia há promoções e quem levar um amigo tem sempre direito a descontos.
A ideia é também contribuir para uma mudança de mentalidades: “Contribuir para que haja menos monos por aí, para que as pessoas possam restaurar as suas próprias peças e encarar os móveis antigos com outra perspectiva.”
Nesse sentido, há ainda outra “ideia para o futuro” que Guida já pensa concretizar: a de arrendar o seu espaço para as pessoas trabalharem. Para isso falta encontrar um outro atelier, maior. A busca já começou — as novidades devem chegar em breve.