Carnaval, Óscares e outras colonizações

Sei bem que este nosso provincianismo de desconfiar do que é nacional vem de longe. Infelizmente, a passagem do tempo e a crescente escolarização da população não fizeram o “tuga” perder a sua preferência pelo estrangeiro

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Rafael Marchante/Reuters

Como se diz para aí, há uma linha que separa… Muitas coisas. E é uma linha muito ténue aquela que separa o gosto pelas culturas estrangeiras do ser-se um alienado e colonizado culturalmente. Acontece que, em Portugal, muitos já cruzaram essa linha deixando de ser saudáveis apreciadores das culturas forasteiras para se transformarem em inconscientes colonizados.

Sei bem que este nosso provincianismo de desconfiar do que é nacional vem de longe (já Eça de Queiroz o denunciava). Infelizmente, a passagem do tempo e a crescente escolarização da população não fizeram o “tuga” perder a sua preferência pelo estrangeiro.

No plano cultural, o fenómeno é gritante e os exemplos abundam. Quantos não são os ouvintes ou músicos de rock que dizem que o rock é anglo-saxónico e, por isso, só fica bem na sua língua original? Ou que é essa a língua que abre portas à internacionalização? E nem se dão conta que o que verdadeiramente se passa é terem o gosto colonizado… É que contra factos não há argumentos: não só o rock pode soar espantosamente cantado em português (Rui Veloso, Xutos, Ornatos…) como a internacionalização das bandas lusas que cantam em inglês é uma miragem (os Moonspell, banda de nicho, são a excepção). E seria difícil ser doutra forma: já se imaginaram a comprar um álbum duma banda inglesa que cantasse em português? Ou acham que o inglês luso não tem sotaque aos ouvidos de um anglo-saxónico? Felizmente no hip-hop (querem coisa mais americana?), dada a importância da palavra, os nossos rappers cedo perceberam que a língua nacional era a melhor solução. E alguém questiona a adequação do português ao rap? Vá lá, digam mal dos Da weasel, Sam the Kid ou dos Dealema…

Pensando nos grandes sucessos de internacionalização da música lusa, outra vez os dados não deixam margem para dúvida: são os autores que emanam um cunho nacional que conseguem singrar lá fora (Madredeus, Mariza, Deolinda).

No mundo do cinema, o cenário ainda se agrava. Somos dos países ocidentais onde passa menos cinematografia nacional e temos uma bajulação a Hollywood típica de colonizados. A histeria com a noite dos Óscares (que premeia, basicamente, os filmes americanos mais comerciais como se fossem os melhores do mundo) é bem ilustrativa de uma dependência cultural pouco razoável. Há muita gente em Portugal que se gaba de adorar cinema e tudo o que vê, ou já viu, foram os filmes americanos, porque os europeus (e os portugueses em particular) são lentos, complicados, enfim, uma seca pegada (a única coisa que lhes vale é que, de quando em vez, lá vão aparecendo umas mulheres nuas, ainda que pouco depiladas e nem sempre muito bonitas…).

E depois há um exemplo caricatural: o carnaval! Não é que este povo de brandos costumes decidiu importar, sem tirar nem pôr, o carnaval do Rio de Janeiro, sem ter em atenção que estamos em hemisférios opostos? Resultado, o carnaval lusitano (que tradicionalmente era o entrudo, onde figuras como os caretos de Podence são as adequadas) transforma-se num dos espectáculos mais deprimentes: carros alegóricos tropicais, montados por raparigas em biquíni (sem a forma das inspiradoras brasileiras) a tremerem de frio pois que a temperatura e pluviosidade não enganam: em Portugal, o Carnaval é no Inverno!

Enfim, nunca mais me esqueço de um rapaz cabo-verdiano (guia turístico amador na ilha da Boavista) que quando nos mostrou a ilha na sua "pick-up" exibiu o seu saber sobre o FCP mas também sobre questões da política camarária portuense. Sabia o nome do presidente da câmara da época e os problemas que afectavam a cidade (ele que nunca tinha estado no Porto)! Passados tantos anos da descolonização (e à parte de querer agradar ao turista), aquele rapaz ainda estava culturalmente colonizado. O problema é que nós não temos melhor sorte: afinal, quem não sabe quem é o governador da Califórnia ou o “mayor” de Nova Iorque?

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