Todos os dias apanho um autocarro para o Hospital de Santa Maria, em Lisboa. Entro, valido o meu título e procuro um lugar para finalmente terminar o meu livro. Se não há lugares livres, não tenho outro remédio senão furar a multidão de passageiros em pé e viajar segurando as barras verticais ou até me encostando às paredes. Em todos estes gestos diários, exponho-me, sem saber, a um número colossal de bactérias extremamente perigosas — e que até podem ser fatais.
Preocupadas com a abundância de bactérias responsáveis por infeções hospitalares nos autocarros públicos lisboetas, uma equipa de investigadoras portuguesas e americanas foi investigar a presença de uma bactéria específica neste meio de transporte e, em especial, nos autocarros que circulam próximos de hospitais. Trata-se da Staphylococcus aureus resistente à meticilina, uma bactéria conhecida pela sua sigla inglesa MRSA (Methicillin-resistant Staphylococcus aureus).
A equipa liderada por Marta Aires de Sousa, da Escola Superior de Saúde da Cruz Vermelha Portuguesa em colaboração com o Instituto de Tecnologia Química e Biológica, em Oeiras, analisou as superfícies de 199 autocarros lisboetas de 33 carreiras, bem como as mãos de 575 passageiros desses autocarros, num período de Maio de 2011 a Maio de 2012.
Num estudo publicado na revista PLOS ONE em Novembro de 2013, as investigadoras concluíram que os autocarros públicos da cidade de Lisboa são uma fonte importante de contaminação e transmissão das bactérias MRSA, que são responsáveis por infeções hospitalares e podem até conduzir à morte. Os resultados são alarmantes: 36% dos autocarros analisados encontram-se contaminados com MRSA. E os veículos que circulam próximos de hospitais são os mais perigosos, ao apresentarem o tipo de bactérias MRSA mais encontrado no interior dos hospitais.
Concluem, assim, que as bactérias podem estar a escapar dos hospitais para o exterior, sendo os autocarros um importante reservatório de contaminação. Através das mãos dos profissionais de saúde, pacientes com alta, doentes que vão às consultas e visitantes que saem dos hospitais, as bactérias vão-se espalhando pelas superfícies dos autocarros para a comunidade.
O problema é, contudo, mais grave do que parece e precisa de uma actuação profunda. Marta Aires de Sousa, responsável pela investigação, afirma: “Mesmo uma limpeza profunda diária dos autocarros não resulta em nada enquanto os nossos hospitais tiverem prevalências de MRSA tão elevadas. Saliento que Portugal é o país da Europa, juntamente com a Roménia, com maior predomínio destas bactérias (superior a 50%).”
Num estudo semelhante conduzido na cidade do Porto, a percentagem de autocarros contaminados ronda os 26%, tendo sido encontrado o clone de MRSA predominante nos hospitais da região.