Mais vale cair em graça do que ser engraçado

Trata-se de um problema sintomático e transversal da sociedade competitiva (mas nem sempre competente) em que vivemos. A empatia, a sorte e a arbitrariedade dos juízos de valor têm influência nestas tomadas de decisão que beneficiam uns em detrimento de outros

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David Gray/Reuters

A expressão que serve de título a esta crónica é, sem dúvida, um bom exemplo da sabedoria popular. Não se deixem enganar: não defendo o que o ditado apregoa, mas considero que o seu irónico significado se tornou de tal forma evidente na sociedade que me pareceu pertinente reflectir sobre o assunto.

Mais vale cair em graça do que ser engraçado. A primeira vez que ouvi este provérbio português foi através da minha mãe, já não me lembro a que propósito. Nunca mais havia de o esquecer: uma frase tão simples mas que encerra em si um significado que tem tanto de básico como de estranhamente revelador. Infelizmente, para se cair em graça de alguém já não é (ou nunca foi) preciso ter graça. Por vezes basta “cair no goto” para se receber uma meiguice ou um prémio.

Quantas vezes já nos aconteceu vermos alguém a receber louros imerecidos, a ser exageradamente lisonjeado, a cativar atenções sem que nada tenha feito para isso, a ser injustamente distinguido ou promovido, ou simplesmente a ouvir um “bom trabalho” por algo completamente banal? Enquanto que, outras vezes, vemos o melhor carácter e o desempenho superior não serem devidamente valorizados. Isto é notório quer no trabalho, quer também na vida pessoal, social e afectiva. Várias são as vezes em que as pessoas mais audazes e empenhadas não vêem os seus esforços recompensados.

Trata-se de um problema sintomático e transversal da sociedade competitiva (mas nem sempre competente) em que vivemos. A empatia, a sorte e a arbitrariedade dos juízos de valor têm influência nestas tomadas de decisão que beneficiam uns em detrimento de outros. Admitamos, porém, que também já tenhamos beneficiado de alguma aplicação prática do adágio “mais vale cair em graça do que ser engraçado”, mesmo que inconscientemente.

A maior fatia de culpa deste fenómeno é não só daquelas pessoas que “atropelam” as outras para lhes sonegarem as aspirações, mas também daqueles que assobiam para o lado perante seres humanos esforçados, incansáveis e talentosos, preferindo aplaudir aqueles com quem mais simpatizam — mesmo que evidenciem piores desempenhos –, dando-lhes toda a atenção.

Mediante esta situação recorrente, cabe a cada um tentar gerir o melhor possível a empatia que estabelece com as outras pessoas e encontrar a melhor maneira de promover-se a si e ao seu trabalho, de forma justa e sensata, para que deixe de ser subvalorizado e passe a ter o merecido destaque. Nem sempre será possível, mas valerá a pena tentar, porque aquilo que é verdadeiro, genuíno e fruto de muita dedicação acabará por ser valorizado ou recompensado. Pelo menos julgo haver uma tendência crescente para que tal aconteça. Assim o espero.

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