Da Ucrânia com ódio

Será coerente combater uma Rússia que enfrenta os EUA nas decisões internacionais e juntar-se a uma comunidade de países desolados e castigados? Ah, não se esqueça a energia, aquele pessoal das neves tem daquilo a granel

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Reuters

Antes de tecer qualquer consideração em relação à situação de conflito que se vive na Ucrânia, motivada pelo confronto de ideias dos que defendem uma integração na Europa contra a forçada decisão político-governamental da Ucrânia de ser uma espécie de protectorado russo, parece-me de todo pertinente contextualizar as condições prementes do pós-guerra fria e, como consequência, do desmantelamento da URSS e da independência ucraniana.

Numa primeira fase, a Rússia rejeita que a Ucrânia siga a sua autonomia. Tal postura levará ao hostilizar entre as duas nações. A segunda etapa corresponde aos resquícios imperiais russos na tentativa de controlar a Frota do Mar Negro (FMN). No entanto, esta frota estratégica estava sob alçada dos ucranianos. Isto leva a Kravchuk, o presidente da Ucrânia, a afirmar que Boris Yeltsin e outros líderes russos deveriam "abandonar o hábito de pensar imperialmente".

A terceira fase envolve aquilo que se pode chamar da discussão da Crimeia. Ora, debate-se se a transferência da Crimeia para a Ucrânia, em 1954, terá sido legítima ou não. Com certeza que os russos pouco se importavam com a Crimeia, no entanto, como a FMN estava na Crimeia, esta já possuía outro valor e estatuto. A antiga terra dos Czares falha, novamente, pois a Crimeia procura ser autónoma. Por fim, a questão nuclear levaria ao fim do ambiente “quente” entre as nações. Após várias negociações, acaba-se por dar o desmantelamento de armas nucleares na Ucrânia.

Como se constatou, a entrada na década de 1990 dava todas as condições para um ódio entre as duas nações e, em grande forma, essa atitude negativa esteve bem patente nas ligações entre Ucrânia e Rússia. Criou-se uma identidade social de inimigo. Porém, a OTAN e a União Europeia (UE) não se mostraram cenários propícios para a integração da Ucrânia no patamar europeu, ou melhor, a crise económica desmascarava a falta de solidariedade e de poder unitário da UE. Será coerente combater uma Rússia que enfrenta os EUA nas decisões internacionais (a questão síria dá pujança à velha Rússia) e juntar-se a uma comunidade de países desolados e castigados? Ah, não se esqueça a energia, aquele pessoal das neves tem daquilo a granel.

Por sua vez, este desvio vai fechar a nação ucraniana sob o jugo russo. Uma nova cortina de ferro se fecha, ou até, talvez, seja a mesma que W. Churchill falava, talvez tenha sido só temporariamente aberta para ver o raiar do sol da manhã. Isto não é somente negativo para as multidões masculinas que esperam sempre ver as mamitas das activistas ucranianas no noticiário. Não, tal acontecimento sentenciará uma nova vitória russa e, desta vez, impiedosamente conquistada sobre a UE. Além de que evidencia um carácter obrigatório de subordinação de um país a outro. Um capricho e uma vontade não alcançada no pós-guerra fria que submerge, em 2013, como reafirmação de um poder na esfera geopolítica e uma divisão que rasga o Este e o Leste.

Em suma, este ajoelhar de Viktor Ianoukovich, actual presidente ucraniano, perante o renascer imperial soviético nas mãos de Vladimir Putin, significa um desrespeito contra uma evolução histórica social do seu povo e as suas proporções fazem adivinhar um futuro pouco promissor para a diplomacia europeia. 

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