O Natal está murcho. Está tão cabisbaixo que não consegue fazer com que as pessoas se lembrem que ele chega já para a semana. E se o Natal nem nos passa pela memória, a não ser com um “Ah é verdade…”, como poderíamos sequer encaixá-lo nas nossas conversas do quotidiano?
Olha-se para as ruas e as iluminações são tão tímidas que poderíamos estar facilmente em Novembro e não daríamos conta. A verdade é que faltam uns poucos dias para a noite que deveria ser símbolo de tanto e passou a ser um punhado de nada. Afinal de contas, quem mandou matar o Natal?
Foi a crise. A falta de dinheiro tira-nos a vontade de sair à rua. A resistência ao consumismo não é assim tão grande como adoramos fazer querer. Nem que se beba um café ou compre um chocolatinho para o “mái novo”, já se está a cuspir dinheiro conta fora. E isso a malta não quer. Pouco alheias a isso, as lojas também não investiram muito em luzinhas e fanfarras.
Foi o trabalho. Andamos a trabalhar o triplo e a receber metade do que merecemos. Isso estraga-nos a vida pessoal e rouba-nos o tempo salutar de lazer, o tempo que nos impede de ficar loucos. Inundados com tarefas pequenas que nos tiram o fogo da alma, pouca pachorra temos para andar em magotes de gente em busca do presente perfeito.
Foi a idade. É inegável: estamos crescidos. Já não há a antecipação do jogo para o Game Boy ou do Space Shuttle da Lego. Não há a vontade louca de rasgar papel de embrulho como se não houvesse amanhã. Não existe já a manhã de Natal em que se vira e revira o brinquedo que nos iluminou a vida ainda agora.
Foi o futuro. O futuro tem estas tendências homicidas de assassinar o passado. Ofusca-nos com o fogo-de-artifício da inovação e, quando damos por nós, já nem nos lembramos de quem fomos, um dia. As tradições perdem-se, as uniões também.
Foram as redes sociais. Os amigos são cada vez mais num universo virtual. Ao mesmo tempo, e por perdermos tanto tempo sentados em frente a um computador, ficam a perder os amigos de verdade, aqueles de carne e osso que não vemos já há meia dúzia de séculos. Já para não falar da família. Parece que deixámos de ter primos afastados para ter mãe e pai afastados, e um ou dois irmãos de que ainda nos lembramos vagamente.
Fomos nós. Nós deixámo-nos perder no meio de tanto caos. O turbilhão de eventos é tão grande em torno da nossa vida que perdemos a disponibilidade para tirar os olhos da bonecada do PC e olhar à nossa volta.
No Natal, desliguem. De tudo. Unam-se unicamente aos vossos, nem que tenham de viver da memória sem vídeos de telemóvel. Apreciem o calorzinho da lareira e lixem-se para as prendas. O plástico parte e o dinheiro voa. As pessoas ficam.
Bom Natal!
