Uma larga fatia de antropólogos concorda em afirmar que uma das primeiras funções da linguagem foi a de ajudar as comunidades a compreender quem podia ou não ajudar a pequena sociedade a sobreviver. As coscuvilhices ofereciam, portanto, garantia de passar mais uns tempos nesta terra. Os que fossem menos bem vistos pelo grupo eram segregados ou mesmo mortos.
Transposto para os dias de hoje, é o que fazemos. O mexerico é uma tentativa de inferiorização do outro, seja no bairro, na empresa ou entre amigos. Uma busca de estatuto social por via da neutralização do inimigo. É, exactamente por isso, atreito a ser condenável, numa era em que tanto se valorizam as ópticas de integração de todos numa sociedade. Ainda assim, fazemo-lo. Todos, sem excepção.
Imagine-se, pois, Churchill a entrar casa adentro. “Ó mulher”, terá dito, “tu já me viste a desavergonhada ali da frente, a colher maçãs de saia. Capaz agora de passar ali um sujeito e ver-lhe a perna acima do joelho?” Não é seguro que tal tenha acontecido, mas a ideia faz-nos rir. Assim como o dia em que Steve Jobs andou a fazer de tudo para lixar a vida a um colega de turma que não lhe aceitava as ideias budistas. Já para não falar do dia em que Carl Sagan passou duas horas inteiras a contar a alunos as tropelias todas do director do MIT.
Sejamos honestos: os exemplos dados acima são falsos. Mas não é por causa disso que rimos ou os achamos ridículos. É por possuirmos a estranha ideia de que os nossos ídolos não são gente como nós, capaz de se ocupar de assuntos mundanos. Desenganem-se: Sagan, Jobs, Churchill e outros génios que tais passaram muitas horas sem debater a geostratégia política e militar mundial ou a física mais evoluída dos seus dias.
Biologicamente, é-nos irresistível contribuir para dizer mal de alguém. O cabelo da vizinha, o raio do chefe que não nos respeita, o Tomás que anda metido com a Madalena nas costas do Eduardo. Civilizacionalmente, é uma acção que se reprime a todo o custo, como aconteceu, por exemplo, com a introdução de talheres nas refeições. No entanto, continua a dar-nos um gozo do caraças agarrar numa perna de frango e devorá-la à dentada ou descascar um camarão à mão.
Mexerico, quadrelhice, coscuvilhice, rumor. Chama-se-lhe o que se aprouver. Mas não há como negar: está-nos, como tantas outras coisas, na massa do sangue. Combater ou aceitar? Provavelmente, a resposta correcta está em transformar o “ou” num “e”.