Dentro da história

A personagem Germain, no filme "Dentro de Casa", de François Ozon, apaixona-se pela narrativa de Claude porque a sua própria realidade é cinzenta, inútil e frustrante

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O filme "Dentro de Casa", de François Ozon, conta a história de um adolescente, Claude, que se faz amigo de um colega, Raphael, para entrar na casa dele e conhecer-lhe a intimidade. E conta a história de Germain, o professor de ambos, que fica fascinado pelos relatos que Claude faz da vida da família de Raphael, e está disposto até a cometer ilegalidades para que Germain continue a escrever-lhe relatos daquilo que acontece dentro da casa dos Rapha.

O enredo poderia parecer inverosímil, se não se conhecessem casos não muito distantes do impacto emocional que a ficção pode ter nos seus consumidores. Um desses casos, mais famoso, é o de George R. R. Martin, cuja série de fantasia "As Crónicas de Fogo e Gelo" é uma das mais populares actualmente. Tão popular que a demora do autor em concluir os últimos volumes da heptalogia começaram a enfurecer alguns fãs, que começaram a enviar mensagens insultuosas ou a preveni-lo que ele não deveria "perder tempo a ver jogos de futebol americano" ou "a visitar sítios como Portugal e Espanha" e que — sendo gordo e sexagenário — não se deveria atrever a morrer antes de concluir a série.

Martin explica que a quantidade de enredo, personagens e pormenores se tornou tão pesada que grande parte do seu trabalho consiste em verificar se não está a contradizer algo que já tenha escrito antes, para evitar a irritação do fãs, como aconteceu quando trocou o sexo de um cavalo entre dois livros.

O mesmo parece ter acontecido com a adaptação televisiva dos livros, intitulada "A Guerra dos Tronos", em que um episódio particularmente sangrento e inesperado da terceira temporada parece ter chocado os espectadores que a Internet se encheu de imediato de sites, vídeos, blogs e tweets a descrever como Martin era uma pessoa odiosa e nunca mais veriam a série na vida.

A personagem Germain, de "Dentro de Casa", parece deixar-se arrastar para dentro da ficção de Claude porque a sua própria realidade é cinzenta, frustrante e inútil. Talvez aí esteja a força e o perigo da ficção: a de nos mostrar as falhas da nossa realidade e, ao mesmo tempo, permitir-nos fugir dela sem nada resolver.

   

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