Depois de vários governos terem caído o país estava de rastos. Como sempre, quando o desespero chega a uma sociedade em revolta, a solução foi de extremos. Um movimento que crescera nas redes sociais dominou o país. Reuniram-se massas de descontentes em torno de uma ideia estapafúrdica que viria a tornar-se realidade. Alguns desconfiaram da influência externa, mas nada puderam fazer. A decisão mais negra da história de Portugal, ainda que com objetivos finais supostamente benéficos, avançou.
Em 2015 foi decidido por referendo que Portugal seria evacuado! Todas as pessoas sairiam de Portugal. Ficariam somente alguns técnicos para assegurar a manutenção e conservação das infraestruturas, e militares para garantir o cumprimento do projeto. Os promotores desse plano defendiam que o problema de Portugal eram os próprios portugueses. Estranhamente, como nunca tinha acontecido na nossa história, a esmagadora maioria aceitou sem protestar a validade desse pressuposto. Assim foi feito um acordo com os restantes países da União Europeia. A dívida de Portugal seria perdoada, mas todas as pessoas em idade ativa estavam obrigadas a trabalhar nos países de acolhimento, descontando uma parte considerável dos seus vencimentos para amortizar a dívida nacional. Os idosos e incapacitados seriam acolhidos também, fazia parte do contrato. Somente 20 anos depois o país poderia ser reocupado, garantindo-se que tudo estava em condições para o retorno em massa da população já aculturada. Os portugueses seguiram voluntariamente para a diáspora que os tentaria transformar noutra coisa qualquer.
O objetivo do êxodo em massa era, acima de tudo, fazer uma revolução cultural - uma mudança total de mentalidades e hábitos. No fundo, acabou por ser uma das maiores tentativas de extermínio cultural do planeta. Mas em Portugal ficaram alguns resistentes que passaram a viver na clandestinidade. Formou-se uma sociedade de resistentes que se autogovernava de um modo eficiente e democrático como nunca se tinha visto em Portugal, apesar de todas as dificuldades, das perseguições e dificuldades de toda a espécie. Lutavam como podiam contra a opressão de um país desocupado mas rigidamente patrulhado por forças militares afetas ao contrato celebrado pela maioria.
A calamidade consumou-se mas a esperança não morreu naquele que era um Portugal esvaziado, mas sempre combativo. Os portugueses obrigados a viver fora da pátria, haveriam de ficar descontentes com o destino que haviam escolhido. Na desmotivação da expatriação motivar-se-iam para reconstruir um novo Portugal aquando da volta. Trabalhariam o mais que podiam para um dia poder regressar, sentindo que, por melhor que fosse a sua qualidade de vida, a impossibilidade de viver no Portugal parte de si era insuportável. Cresceria o mito do regresso a um país que afinal não era tão mau como se pensava.
Os que ficaram e os que partiram, mesmo sem saberem, estavam unidos e convencidos de que Portugal poderia ser reinventado. Mas quando chegasse a hora de voltar será que ainda se lembrariam do que deixaram e os levara ao desvario coletivo? Será a aculturação possível de reverter? E será que os portugueses de fora e de dentro saberiam conviver? Só o futuro o diria.