A entrada do melhor festival português é uma fronteira. Como disse o Billie Joe Armstrong na primeira noite, lá fora há demasiada morte e trabalho e chatices em que pensar. Cá dentro, o "zeitgeist" é outro. Aqui, como em qualquer outro lado, o meu sonho é o mesmo do Gonçalo M. Tavares: compreender o bicho humano.
A motivação que une os milhares de almas que aqui vagueiam é a mesma: música. Ao contrário de outros parques de diversão disfarçados de festival que por aí andam, o Optimus Alive tem-se pautado pelo amor verdadeiro e exclusivo aos indivíduos que têm a coragem de compor meia dúzia de canções e mostrá-las a uma carrada de gente. Os públicos respondem com o tempo de que prescindem para apreciar a pureza e o carácter inato que a música possui em cada um de nós.
Quando se olha para um palco, há uma transferência de identidades. O artista recorda os tempos em que estava já ali em baixo a admirar os seus ídolos; os fãs imaginam-se no lugar do músico talentoso (“se calhar eu até era capaz de fazer aquilo…”) e dá-se asas aos sonhos rebeldes das adolescências já longínquas. Esse pensamento comprova-se nas indumentárias dos públicos: enverga-se orgulhosamente um alter ego qualquer. E estranho é o gajo engravatado ou outro alguém que não traz um chapéu laranja na cabeça ou uma t-shirt mais ou menos peculiar. Aqui dentro, todos são artistas dos pés à cabeça. Mesmo que seja apenas por um dia. Talvez por isso, a audiência é bem comportada. O músico pede ou sugere ou ordena. E a malta cumpre. Sem protesto nem sequer resistência. É um gosto agradar a quem nos oferece tão bons sons, parecem dizer.
Observando em volta, descortinam-se os mais belos e diversos géneros de seres humanos. Aqui mesmo ao lado, há um olhar brilhante de quem vê os seus Kings of Leon. Mais ao fundo, os veteranos destas andanças denunciam-se a si mesmos pela atitude de difícil surpresa quando o Simon Neil atira a guitarra ao seu roadie. Há ainda aqueles que vieram só para poderem gritar a plenos pulmões um “reach out and touch faith”. Trocam-se gargalhadas, partilham-se sorrisos cúmplices, fazem-se fotografias só pela graça do momento (quantas vezes serão revistas tais congeladores de momentos?). Os amantes, entregues a si mesmos, preconizam e ensaiam aquilo que há-de acontecer mais logo.
Depois, o regresso. Recordam-se momentos, lamenta-se a canção que ficou por tocar e admite-se o novo amor por aquele grupo que tanto surpreendeu. Entra-se em casa, toma-se um duche rápido e cai-se na cama com os pés grelhados de tanta hora em pé. Segundos antes da chegada do sono, as imagens das horas anteriores ressurgem de novo nos olhos de quem as viu ao vivo e a cores. Só a banda sonora é diferente: os ouvidos queixam-se da violência dos decibéis com campainhas que durarão até de manhã.