A nossa (ir)responsabilidade política

A responsabilidade é também nossa. Digo-o enquanto jornalista e cidadão. E todos – todos! – temos falhado nas nossas funções

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Rafael Marchante/Reuters

É verdade que o Governo parece andar a brincar aos ministros? É. É verdade que temos razão em estar indignados com o comportamento dos líderes que a maioria de nós elegeu? É. É verdade que a responsabilidade de toda a crise política dos últimos dias é exclusivamente deles, desses papões que se passeiam pelos corredores do Parlamento? Não.

A responsabilidade é também nossa. Digo-o enquanto jornalista e cidadão. E todos – todos! – temos falhado nas nossas funções. Caso contrário, não nos alagaríamos no pântano em que nos encontramos. A parte má de tudo isto é não termos quem nos atire uma corda de salvação. Somos nós a ter de a desencantar como que por artes mágicas ou outra metodologia metafísica.

Nós, jornalistas, deveríamos combater a pouca reflexão que fazemos todos os dias sobre os assuntos relevantes sobre os quais escrevemos. Deveríamos tirar uma meia hora para ler e ouvir todas as fontes de forma fria, adequada e ponderada. Deveríamos ter a coragem e a homberidade de fugir da torrente avassaladora que nos empurra para o mesmo discurso e, em todas as ocasiões, ter cautela com a orientação do texto que escrevemos ou do título que lhe damos. Ser-se "watchdog" não é o mesmo que fazer oposição ao Governo (não é verdade, caríssima SIC?). Bem sei que a velocidade com que as fontes falam (ou querem falar) e o imediatismo de todas as informações nos tiram tempo. Bem sei que o chefe está já ali aos berros a pedir por mais caracteres. Ainda assim, reflictamos mais antes de publicar.

Nós, os cidadãos, temos também culpa. Porque mal lemos – isso mesmo: não há hábitos de leitura. Como não lemos, perdemos a frieza racional e algumas capacidades de raciocínio e encadeamento lógico. Ao mesmo tempo, a catadupa de parangonas e notícias com que somos inundados puxam pelo pior de nós – nas redes sociais mas especialmente as televisivas, que estimulam os impulsos humanos desprovidos de qualquer civismo. Se há dúvidas, vá o leitor a qualquer zona de comentários online de um jornal português e observe a falta de nível ali exibida. Um exemplo claro de uma forma extrema dessa perda de civilização aconteceu há coisa de três semanas, quando dois bandalhos com um provável desvio mental decidiram cuspir num ministro, enquanto este fazia compras com a esposa num hipermercado. Seja qual for o motivo da ofensa, nada justifica uma atitude deplorável desta. Que eu saiba, já saímos do século XVI há algum tempo. E ainda bem.

Enquanto não formos melhores, não mereceremos um Governo mais dedicado. Enquanto não cultivarmos frieza racional, hábitos de reflexão e constante ponderação sobre as questões, sem que as emoções inflamadas nos toldem os sentidos e os julgamentos, não seremos capazes de caminhar para um sítio melhor. Enquanto não houver cultura de cidadania, as praias continuarão a estar cheias em dias de eleições e a Nova Gente continuará a vender muito mais do que o Público. Assumamo-lo de vez: a responsibilidade (também) é nossa.

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