Walk&Talk, a arte pública sem medo das alturas
Trepámos ao telhado com Diana Sousa e Jesse James, fundadores, promotores, pensadores, estrategas e carregadores de latas do Walk&Talk. "A insularidade era um ponto fraco que se transformou numa força"
Alby Guillaume, Bruno Jamaica, Colorblind, Diogo Machado, EIME... Não é um abecedário de arte urbana — que não terminaria na letra "v", de Vhils, padrinho e embaixador do projecto, que já conta com 62 artistas —, mas já faltou mais. O Walk&Talk (W&T) é mais do que isso, é um museu ao ar livre, um acontecimento que mudou a cor das paredes de Ponta Delgada e um pouco da "cultura bipolar dos Açores". O P3 sentou-se no telhado com Jesse James ("sim, como o cowboy, é uma longa história de amor dos meus pais"), 25 anos, e Diana Sousa, 27, e conversou sobre uma ideia com recursos financeiros limitados (está activo um crowdfunding para a edição que decorre entre os dias 12 e 27 de Julho), mas sem medo das alturas. "A insularidade era um ponto fraco que se transformou numa força".
Ponta Delgada está muito diferente do que era em 2010?
JJ — A ilha e a cidade mudaram, sem dúvida. As pessoas tornaram-se mais sensíveis às expressões artísticas. Passaram a valorizar a arte e essa valorização fez com que mais pessoas fizessem coisas. Ganhou dinâmica a cidade.
Dois jovens de 18 anos sentiam o isolamento a nível artístico?
DS — A nível artístico torna-se complicado estar numa ilha. Na música, por exemplo. Enquanto em Lisboa ou no Porto acontecem grandes concertos de bandas que seguiste desde muito cedo, nos Açores não havia muito contacto.
JJ — A cultura nos Açores ainda é um bocado bipolar, ou é muito elitista ou extremamente popular. Ou tinhas aqueles momentos artísticos extremamente institucionais (em que acabavas por não participar) ou então eram coisas que não interessavam, mas para as quais havia público. Artisticamente as ilhas são muito ricas. Há grupos de teatro e artistas locais... Acho que o grande problema sempre foi uma questão de comunicação e de aproximação ao público. As ilhas fechavam-se muito. Essa insularidade não é só um chavão, não é só uma palavra fácil para associar à questão dos Açores. É uma coisa muito presente.
Como eram as paredes?
DS — Eram paredes monocromáticas, brancas.
Um branco limpo, sem vandalismo?
JJ — No primeiro ano adaptámos ao W&T a expressão "paredes brancas, povo mudo". O nosso movimento surgiu pelo fim das paredes brancas e do povo mudo. O que nós queríamos era pessoas a discutir e a falarem sobre arte. E obterem referências artísticas através das intervenções do W&T.
DS — Ganhou mais cor e massa crítica, pessoas que andam na rua e que apreciam tudo o que foi feito nas duas edições.
Como é que apresentam Ponta Delgada a um amigo que visita pela primeira vez?
JJ — Há uma simbiose entre cultura e natureza, quase uma natureza criativa. Pessoas ligadas ao turismo dizem-nos que este museu ao ar livre é uma forma de descobrir a cidade. Passas pelos monumentos e pelos espaços historicos de uma cidade bonita, mas não tens que fazer isso através de um roteiro tradicional. Podes conhecer a cidade pelas peças dos artistas, que já são 62. Se calhar não vês todas, mas...
A arte urbana (ou "arte pública", como vocês preferem dizer) são os novos postais turísticos?
JJ — Muitas pessoas ficam espantadas pelo facto de as obras terem sido feitas nos Açores. São expressões de arte que normalmente estão ligadas a grandes centros urbanos, grandes capitais europeias.
Ainda vos perguntam: "Açores, onde é que isso fica?"
DS — Sim. Na primeira abordagem, os artistas internacionais ficam algo relutantes. Mas rapidamente aceitam o convite. A localização periférica e insular... acho que é isso que os convence. Era um ponto fraco que se transformou numa oportunidade e numa força.
JJ — Está completamente fora dos circuitos tradicionais de arte contemporânea e é um local completamente descomplexado em relação à arte urbana, longe dos galeristas e curadores e comissários... Isso não existe nos Açores. Os artistas aceitam e tornam-se embaixadores do W&T.
Os artistas trabalham de uma forma voluntária...
DS — Oferecemos umas férias criativas. Pagámos todas as despesas da produção das peças, deslocações, alojamento e alimentação.
As pessoas de Ponta Delgada são privilegiados por só conhecerem a parte boa do graffiti?
JJ — Como tudo aconteceu de uma forma expontânea, mas muito organizada e em espaços próprios (devolutos, com autorização dos proprietários ou cedidos), essa discussão e essa fronteira muito ténue entre o que é que é arte e o que é vandalismo nos Açores não se colocou. Porque as intervenções foram todas feitas de uma forma muito ordenada. A relação que as pessoas criaram com essas peças foi pacífica. E foi ficando aos poucos. No primeiro ano perguntavam "mas porque é que estão a fazer isso?". Agora as pessoas perguntam "eu tenho uma parede, vocês querem pintar ali?"
Como é que vêem os Açores dentro de 20 anos?
JJ — Há um "turning point". Há muitas pessoas a regressarem aos Açores. É um espaço que sempre viveu muito a questão da emigração e que agora, por causa da crise, vê muitas pessoas regressarem.
DS — E não só açorianos. Há muitos estrangeiros e pessoas do continente que estão a procurar os Açores para viver.
JJ — Há toda uma nova dinâmica que se está a criar. São Miguel tem uma relação ainda mais estranha com o mar do que as outras ilhas. Fecha-se ainda mais. Nota-se uma deslocação de pessoas que estão habituadas a outra dinâmica cultural e que querem manter alguns hábitos. Como não existe a cultura nesses moldes, eles vão tomar a iniciativa.