A CRISE foca o plano económico e financeiro e porventura desfoca outra crise — a do sector cultural, não menos relevante. Impera um défice extraordinário no debate social e político sobre o papel do sector no estado social. “A cultura é uma das formas de libertação do homem”, como afirmou Sophia de Mello Breyner na assembleia constituinte de 1975. Será a cultura apanágio para nos libertarmos desta CRISE?
Responder à questão passa por fazer um revisionismo da realidade cultural. Alargado o plano histórico, no ano de 1938, em pleno regime ditatorial, imperava uma interrogação: “Deve-se ensinar o povo a ler?”. E não menos presente estará na memória de todos a afirmação: “Nem sequer haverá Ministério da Cultura”, de Pedro Passos Coelho. Uma ilusão vendida à sociedade portuguesa com o custo elevado de destruir em definitivo a cultura, o parente pobre do estado social.
É certo que, em perspectiva, estão dois momentos díspares e descontínuos. Contudo, já ultrapassamos a interrogativa da educação para o povo, mas impera uma nova interrogativa: Deve-se dar ao povo cultura?
Segundo dados do Eurostat, o peso do emprego cultural em Portugal, na população activa, representava pouco mais de 19%, ficando em penúltimo lugar, apenas à frente da Roménia. Em contraste, os países com mais população em idade activa têm trabalho no sector: Bélgica a liderar, de seguida Suécia e Finlândia.
Para além da Europa da crise, eis que surge outra Europa. O sector criativo europeu sobe em flecha; cresceu só nos últimos anos cerca de 10% e representou uma taxa de emprego fixada entre 25% a 30%. A Europa prepara-se para fazer o maior projecto do mundo relativo ao fomento cultural - o programa Europa Criativa, orçado em 1,8 mil milhões de euros. O sector cultural simboliza um forte potencial produtivo, em permanente ascendência, podendo ser encarado como uma forma de combate à crise. Capitalizando o valor humano, criativo e patrimonial.
Apesar do "boom" na expansão das políticas culturais europeias e consequente investimento num sector estratégico, Portugal contrasta com este clima.
O Estado, enquanto promotor cultural, entrega nas mãos das fundações os seus deveres, para mais tarde criar o conceito de “subsidiodependência”. Desta feita, “O Estado (…) ” demagogicamente não cumpre os seus deveres de “ (…) promover a democratização da cultura, incentivando e assegurando o acesso de todos os cidadãos à fruição e criação cultural.” (Constituição da República, Cap. III Art. 73) Como preenche de vazio e de ideias erráticas o sector, desmantelando os profissionais e instituições.
Investir em cultura é uma das formas de capacitar o capital intelectual e valorizar um sector de tamanha importância. Por isto, torna-se imperativa a urgente discussão alargada sobre o real valor cultural e precedente sensibilização.
“E se é evidente que o Estado deve à cultura o apoio que deve à identidade de um povo, esse apoio deve ser equacionado de forma a defender a autonomia e a liberdade da cultura", como diria Sophia de Mello Breyner.