Terminou o curso de Ciências da Comunicação, mas inicialmente dedicou-se ao Cinema. Fez Cinema, mas percebeu que queria regressar à escrita. Estagiou no PÚBLICO, mas percebeu que não queria ser “jornalista de redacção”. Foi correspondente em Londres, trabalhou na BBC, mas quis regressar a Portugal quando meio país ponderava sair, e 2012 foi, definitivamente, o melhor ano da vida dela.
“Às vezes damos muitas voltas e depois voltamos ao ponto de partida.” A introdução à conversa, feita pela própria Susana Moreira Marques, não podia ser mais adequada. Muitas reportagens e um livro (Agora e na hora da nossa morte) depois pode dar-se ao luxo de dizer que a vida dela é “arranjar palavras em pedaços de papel” – mas não foi sempre assim.
Quando terminou o curso de Ciências da Comunicação a desilusão com o Jornalismo arrastou-a para o Cinema: foi assistente de realização e anotadora em telefilmes, curtas-metragens e longas-metragens e realizou um documentário. “Depois percebi que não era aquele o meu caminho.”
Aos 27 anos, Susana deu uma nova hipótese ao Jornalismo: “Estava um pouco perdida, mas sempre gostei de escrever e decidi tentar.” O estágio no PÚBLICO foi a porta de entrada na profissão: durante um ano, colaborou com o jornal à peça e continuou a fazer cinema e publicidade. Depois a sensação de querer mais surgiu de novo.
A aventura londrina
Partiu para Londres “um pouco à maluca” para ficar um ano. Ficou cinco. Foi correspondente do PÚBLICO, viajou muito, conheceu o pai da actual filha, percebeu pela primeira vez que queria escrever um livro (“Foi numa residência de escrita que fiz no Brasil. E ainda hei-de escrever esse livro.”).
Na cidade “onde tudo acontece e onde toda a gente tem uma ambição”, Susana trabalhou para a BBC – no serviço português para África –, alimentou o blogue Bay Window com “apontamentos literários do dia-a-dia em Londres”, escreveu “muita coisa para a gaveta”, continuou a escrever para publicações portuguesas.
Mas as dificuldades existiam (“Era muito difícil sair do nicho português, é difícil entrar no mercado de língua inglesa”) e a vontade de regressar a Portugal, mesmo num momento em que a crise já estava instalada, ia crescendo. “Os anos passam, criámos distância e há o risco de deixar de pertencer... é aí que se tem de decidir.”
Susana Moreira Marques tomou a decisão em 2010, contra todos os conselhos de amigos e família que estavam em Portugal. “Diziam-me que estava tudo mal e que não devia voltar. Mas calhou, pelo meu percurso de vida, estar em contra-corrente. O ano passado foi um ano incrível, o melhor da minha vida, apesar de ter sido um mau ano para Portugal.”
Desejos concretizados
O ano de 2012 trouxe a Susana pelo menos a concretização de dois sonhos: ser mãe e publicar um livro. Ela é a prova de que ser escritora e jornalista "freelancer" (actualmente colabora com o PÚBLICO e com o Jornal de Negócios) e viver bem com isso é possível.
Palavra de quem, aos 36 anos, nunca teve um ordenado fixo. “É uma maneira de estar. Eu nunca procurei um trabalho fixo porque não concebia trabalhar no mesmo sítio 20 anos, quanto mais 40...” É uma verdadeira trabalhadora independente e aceita o facto de não poder ter “o melhor de dois mundo: nao ter um trabalho rotineiro e ter estabilidade total”.
Segredos para o sucesso não existem, mas existem "regras" básicas que se pode tentar seguir: “Quando se trabalha como freelancer vai-se conquistando um volume de trabalho. É importante colaborar com mais do que um sítio, ter vários projectos”, aconselha. Tarefa simples? Nem por isso: "Há momentos em que pensa que se vale mesmo a pena”, admite.
O alento surge depois: dos galardões que vai acumulando (prémio AMI – Jornalismo Contra a Indiferença, prémio de Jornalismo Direitos Humanos e Integração, da Comissão Nacional da UNESCO e do Gabinete para os Mios de Comunicação Social), dos projectos em que se envolve (actualmente dá workshops de escrita criativa, por exemplo).
Surge de viagens de trabalho como as que fez a Trás-os-Montes com o fotógrafo André Cepeda, onde acompanhou um projecto de prestação de cuidados paliativos em casa, apoiado pela Fundação Calouste Gulbenkian que resultou no livro “Agora e na hora da nossa morte” - uma mistura de reportagem, ensaio, entrevista e diário de viagem, cuja edição de bolso a Tinta da China lançada nos próximos dias. Textos e imagens que falam sobre a morte. Mas não só. “Estava a escrever sobre o fim da vida mas também sobre o fim de mais qualquer coisa – o fim da ruralidade, o fim de Portugal....”
Os avós de Susana tinha falecido pouco tempo antes e escrever sobre a morte pareceu-lhe também uma forma de “resolver alguma coisa”. O “sucesso improvável” do livro, que juntou várias críticas favoráveis, despertou ainda mais, a vontade de escrever.
Fazê-lo tornou-se uma necessidade (“Não foi sempre assim. Já vivi bem sem escrever, mas agora preciso disso”), uma forma de “pensar o mundo e de lidar com o que está à volta”. “Aprendemos a olhar, a pensar, a transmitir, pomos a cabeça a trabalhar.”
Essa paixão – e a vontade de “fazer textos que são duradouros e universais” – dão-lhe a certeza de que é isto que quer fazer o resto da vida: “Escrever, escrever mais.” Até Abril, Susana Moreira Marques tem a agenda preenchida. E depois? Depois logo se vê.