No interior, a “baixa densidade tem de deixar de ser sinónimo de abandono”

A nova versão do Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território, que entrou esta semana em discussão pública, aponta caminhos para um país encostado às cordas pela demografia e pelas alterações climáticas.

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Passada uma década, que inclui um período em que Portugal esteve sob resgate, o país está diferente Sebastiao Almeida

Na próxima década, o país vai ter de dar corda aos sapatos para conseguir adaptar o seu território às alterações climáticas e reverter, ou travar, a regressão demográfica que, a par das migrações internas e da emigração, está a despovoar uma área vasta do seu território.  Mas no momento em que entra em discussão pública a nova versão do Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território (PNPOT), o ministro do Ambiente alerta que um dos maiores desafios que Portugal enfrenta é o da valorização do seu capital natural como um activo capaz de gerar riqueza e fixar população. “A baixa densidade demográfica tem de deixar de ser sinónimo de abandono”, avisa Matos Fernandes, prometendo para os próximos meses uma abordagem concreta a esta questão.

Portugal teve o seu primeiro PNPOT publicado em 2007, depois de vários anos de trabalho de uma equipa liderada então pelo geógrafo Jorge Gaspar e, pouco mais de uma década depois, a versão revista, e actualizada, do documento, trabalhado por outro grupo de várias áreas do saber, coordenado cientificamente por Teresa Sá Marques, geógrafa da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, vê a luz do dia. E abre-se, até meados de Junho, às críticas dos cidadãos e das organizações que se interessam pelo ordenamento do território, e por este instrumento de planeamento a longo prazo que serve de orientação para as políticas sectoriais do Estado e para o ordenamento regional e local.  

Passada uma década, que inclui um período crítico, em que Portugal esteve sob um resgate externo, o país está diferente. E perante as mudanças ambientais e climáticas, as mudanças sociodemográficas, as mudanças tecnológicas e as mudanças socioeconómicas que se perspectivam para a próxima década, o "país possível" - para usar um título do poeta Ruy Belo - não pode ser apenas “o que o mar não quer”, sob pena de se tornar mais desordenado, urbanisticamente, desértico, no sul, com floresta menos resiliente, no centro, e despovoado, em praticamente toda a faixa interior.

Evitar esse cenário depende, segundo os autores do “novo” PNPOT, da nossa capacidade para valorizarmos “os recursos naturais”, promovermos “um sistema urbano policêntrico”, a “inclusão e a diversidade territorial”, a sua “governança” e a “conectividade interna e externa”, expressão que serve para as relações rural/urbano mas também para domínios como as conexões com a Europa e o mundo na área da energia e das telecomunicações.  

No documento estratégico que acompanha o programa de acção do PNPOT, o retrato de Portugal feito pela equipa científica, após dezenas de reuniões não é desconhecido da generalidade dos portugueses. Nos mapas surge um país polarizado entre Lisboa e o Porto, com conectividades físicas, já praticamente estabilizadas, ao exterior, e um território - continental, no caso - pontuado por centros urbanos de menores dimensões mas que o documento sinaliza como estruturantes para o futuro do país.

Olhando para o mapa do modelo territorial, o ministro assume que o país tem “uma tensão muito difícil de resolver”. “Portugal tem duas áreas metropolitanas muito grandes, no contexto nacional, mas que são pequenas no contexto europeu. Se temos de desenhar um sistema urbano para a coesão, temos ao mesmo tempo que perceber quão importante é o papel destas duas áreas metropolitanas para a internacionalização”, argumenta, sinalizando a importância de políticas públicas que não inibam estas duas regiões, ou o Algarve e o eixo Aveiro-Coimbra, no Centro, “de se projectarem internacionalmente, arrastando o país”, ao mesmo tempo que promove a articulação entre elas e território envolvente, do qual dependem.

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Para o ministro do Ambiente uma das “duas grandes diferenças em relação ao plano anterior é que a questão infra-estrutural perdeu muita importância. Há dez anos ainda se discutia o IP ou o IC, ou a linha de caminho-de-ferro. Essa questão está resolvida. O que ainda não foi feito sabe-se onde se vai fazer. A segunda diferença, nota Matos Fernandes, “é que todas as centralidades desenhadas no anterior modelo territorial são exclusivamente urbanas, constando, no mapa, apenas cidades. E neste nós vamos para além disso. O capital natural ganha uma dimensão de centralidade aqui”, insiste o titular da pasta do Ambiente, considerando que, mais do que uma agenda para o interior - que é um conjunto de políticas concretas, que não cabe neste programa - o PNPOT introduz uma visão que valoriza a diversidade dos vários territórios, independentemente do seu carácter urbano ou rural.

“O território deve ser também considerado um bem transaccionável e factor de diferenciação. E nós temos de gerir estes recursos naturais como activos. O caso das áreas protegidas e dos parques é muito significativo. Nós perdemos dez por cento da população nos territórios de baixa densidade, no último período censitário. E dentro das áreas protegidas perdemos 20 por cento. E isto é dramático. Até para a própria biodiversidade, porque muita dela depende de um conjunto de actividades tradicionais”, argumenta Matos Fernandes, lembrando que a reintrodução do Lince em Portugal está a ter sucesso em coutos de caça em Mértola graças à gestão cinegética que ali é feita, e que inclui o repovoamento de coelhos, uma das presas do felino. 

Do conceito à prática

O Governo prepara-se para incorporar, no próximo Orçamento de Estado, propostas para compensar populações do interior pelos serviços prestados pelos ecossistemas naturais ali existentes. Até Julho, o ministro do Ambiente conta ter na mão um estudo encomendado a uma equipa de várias universidades, liderada por Rui Ferreira dos Santos, da Universidade Nova de Lisboa, sobre o valor do capital natural existente em duas zonas piloto, o Pinhal Interior e o Parque Natural do Tejo Internacional, cuja matriz poderá, mais tarde, ser replicada em diferentes zonas do país.

“Até agora, esta ideia da remuneração dos serviços dos ecossistemas ainda não saiu do conceptual. Fizemos uma recensão de trabalhos, e ninguém nos sabe dizer quanto custa, quanto devemos pagar por termos esses serviços. Quanto nos vale ter um hectare de sobreiros ou de carvalho-negral em vez de um hectare de eucaliptos? E essa conta está a ser feita neste momento”, revelou ao PÚBLICO Matos Fernandes. Esta iniciativa é apenas um exemplo do que tem de ser feito para atingir um dos cinco desafios territoriais que serviram de base ao novo documento estratégico do PNPOT, e que passa, precisamente, pela gestão, sustentável, dos recursos naturais.  

O Pinhal Interior surge no modelo territorial proposto como área a estruturar - tal como o Douro Internacional, no Interior Norte - precisamente porque se percebeu que o sistema urbano presente nestas duas regiões é insuficiente para lhes dar massa crítica, assume o ministro. “Ao contrário de outras regiões, como o Alentejo, por exemplo, que tem cidades como Évora ou Beja, aqui não parecem existir estruturas que agarrem esse território. Mas, atenção, uma e outra têm um capital natural que é da maior importância, e que nós queremos muito relevar neste plano”, insiste Matos Fernandes questionando até que ponto não faria sentido desenhar, para essas duas zonas do país, uma Operação Integrada de Desenvolvimento, que conjugasse políticas multi-sectoriais, à semelhança do que já aconteceu no passado com o Vale do Ave e com a península de Setúbal, a braços, na altura com crises, nas respectivas indústrias, de efeitos sociais avassaladores.

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