Frugalidade & austeridade: duas facas, quatro gumes

O governo português optou por um massivo aumento de impostos. Podiam ser outros os caminhos. Um deles, racionalizar a máquina do Estado

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Hugo Gamelas/Flickr

O país rebela-se. A razão é a imposição de uma espécie de austeridade. Existem outras modalidades de austeridade, modos díspares de atingir um mesmo fim. O governo português optou por um massivo aumento de impostos. Podiam ser outros os caminhos. Um deles, racionalizar a máquina do Estado.

Nota: racionalizar não é um mero corte "estrutural" (de gorduras!?). Repito, racionalizar não é "cortar nas gorduras". São expressões diferentes, possuem significados diferentes, e os lugares a que nos conduzem não são iguais. É um caso em que é humanamente possível separar águas, embora a gramática nos diga o contrário. Primeiro, definir exactamente o que queremos do Estado; quando dizemos "cortar", sem definir o que queremos, não haverá sempre a possibilidade do bisturi ferir órgãos vitais?

Mitigar esta possibilidade o mais possível, só depois aplicar o corte com precisão: mordomias, viaturas, privilégios. No resto, racionalizar. Com prudência. Há uma diferença crucial entre cortar e fazer uma dieta. Ninguém quer abdicar da saúde, da justiça, da educação e dos restantes bens públicos.

Aqui não há espaço para cortes, mas pode haver um melhor aproveitamento dos recursos, maior eficiência e produtividade, uma dieta é possível. Na verdade, isto não eliminaria totalmente o aumento de impostos, mas se o pendor estivesse do lado da despesa, isto atenuaria o fardo fiscal significativamente. A austeridade tal como nos foi imposta torna possível cortar sem resolver o descontrolo da dívida: o aumento dos impostos sem crescimento não ajuda os rácios, nomeadamente, o da proporção da dívida em relação ao PIB (rácio de endividamento) ou o grau de esforço.

Segundo ponto: e depois da austeridade? Falou-se em "empobrecer". Ridículo. A palavra adequada é frugalidade. É possível consumir menos sem que isto tresande, depauperar cheira a miséria. Ser frugal é algo diferente. É ter saúde, justiça, educação, lazer, bem-estar, sem recorrer ao crédito, aos défices (alguns economistas chamam, a estes dois, esteróides). Criar valor sem montanhas de crédito é possível.

É preciso mestria, empenho, produtividade, eficiência, tudo isto pode ser integrado no que é trivialmente conhecido por "crescimento económico sustentável". Em suma, é possível o crescimento económico sem ocorrerem défices: frugalidade. Mas falta aqui um gume. Qual é o gume que falta?

As economias modernas vivem do consumo, o consumo é a actual força motriz do crescimento económico global. Falta um modelo que possibilite a coexistência da frugalidade - menos consumo -, com o crescimento económico - emprego e qualidade de vida.

Neste momento, o sistema económico tal como está desenhado depende exaustivamente do consumo, impor a frugalidade sem alterar o modelo, produzirá um resultado nada aprazível.

A miséria seria inevitável. Uma economia frugal que garanta o bem-estar é um grande desafio. O consumo estraga o ambiente, cria imparidades, e alimenta dívidas, no entanto, infelizmente, ainda não foi encontrado um modelo económico viável que não dependa do consumo sem freio, de modo que a economia global mantenha-se funcional.

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