Foi notícia a descoberta de rochas arredondadas em Marte, uma evidência de que já existiu naquele planeta um fluxo de água. Digamos que este aclarar da névoa da ignorância não gerou o mesmo entusiasmo de outros triunfos daquela instituição. A NASA já colocou um homem a jogar golfe na lua, e, em 1996, Bill Clinton anunciou que havia indícios de vida oriunda daquele planeta. Desta vez, podemos dizer que a ciência deu um grande passo, mas que foi quase ignorado pela humanidade.
Há quem encare estes pequenos avanços do conhecimento como pequenos demais para os milhões gastos em obtê-los. Que interessa saber se houve água em Marte? Se os Estados Unidos atravessam um momento económico difícil, por que motivo considerar a NASA uma prioridade? O mesmo argumento aplica-se em outras áreas; não se esgota na NASA.
George W. Bush não facilitou a investigação que usava células estaminais, não pretendendo "amordaçar a ciência", mas motivado pelo dever de respeitar "a consciência de muitos". No fundo, a consciência destas pessoas diz-lhes que a humanidade tem outras prioridades, e que, em muitos casos, a ciência, a cultura ou a filosofia não passam de uma futilidade, não têm utilidade prática, e podem ter, inclusive, consequências perniciosas. Este argumento não é descabido, mas isto não significa que seja válido.
Em 1939, Franklin Roosevelt recebeu uma missiva assinada pelo físico Albert Einstein. Nesta, o remetente manifestava as suas preocupações no que diz respeito aos avanços da tecnologia nuclear. Podemos supor que esta carta resultou dos importantes avanços no domínio da física que ocorreram no século anterior. Se estes não tivessem ocorrido, não tínhamos hoje bombas nucleares. O que estava em causa, porém, não foram os avanços do conhecimento mas o modo como este veio a ser instrumentalizado.
Quando Nicolau Copérnico defendeu a ideia imperfeita que o Sol está no centro do universo, não tinha a noção completa das implicações científicas, filosóficas, sociais ou culturais da sua tese. Devemos muito à curiosidade deste pensador. Que o diga Galileu. Há uma enorme dívida implícita pela curiosidade, determinação e coragem de pessoas como Copérnico; muito do que sabemos hoje dependeu destas pessoas. E não podemos dizer que localizar a posição do Sol no universo fosse uma prioridade no séc. XVI, nem que as consciências dessa altura tivessem qualquer apreço pelo heliocentrismo.
Já li que as teorias de Stephen Hawking não agradam muitas mentes religiosas, mas o mesmo aconteceu com o Darwin. Só muitas décadas depois do livro sobre a origem das espécies, filósofos como John F. Haught, conseguiram conciliar o evolucionismo com o esclarecimento religioso. O mesmo pode acontecer com as teses de Hawking que negam a necessidade de um criador divino no princípio do universo.
Por muito que o conhecimento possa pesar na "consciência de muitos", não devem ser criadas barreiras nesta busca. Devemos muito à curiosidade dos nossos antepassados e a única maneira de saldar esta dívida é proporcionando condições para que esta curiosidade continue a ser satisfeita.
O conhecimento não pode ser considerado fútil. Não devemos temer o conhecimento, apesar da tecnologia emanada a partir deste poder ser perversa. Privarmo-nos das escolhas difíceis que o conhecimento traz, pode ser ainda mais perigoso, e nunca se sabe qual será o imenso potencial deste no amanhã.