Consumo de drogas é uma saída para a exaustão académica
O estado de "burnout" associado às exigências académicas “é a porta de entrada para o abuso de substâncias, problemas físicos e psicológicos e até tentativas de suicídio”
Os estudantes do ensino superior de Lisboa apresentam níveis de exaustão física e emocional e desmotivação elevados, recorrendo, por vezes, a drogas ou medicamentos para lidar com a situação, disse um investigador, que reconheceu estar “preocupado”.
João Marôco, professor e investigador do Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA) realizou cerca de 500 inquéritos nos anos lectivos de 2009/10 e 2010/11, a alunos de várias áreas do ensino superior, privado e público da região de Lisboa e concluiu que 15% apresentavam níveis moderados a elevados de "burnout".
O estudo, hoje apresentado, avaliou o grau de exaustão emocional (cansaço emocional e físico em que as pessoas sentem não ter força para continuar a trabalhar ao mesmo ritmo), de cinismo e descrença relativamente à utilidade dos estudos, e realização e eficácia profissional (se têm dificuldades em cumprir as tarefas atribuídas pelos professores), factores que determinam a existência de "burnout".
Os resultados referem que mais de metade dos alunos apresentam baixa eficácia ou realização profissional, 18% têm níveis elevados de cinismo ou descrença na utilidade dos estudos e 21% revelam exaustão emocional elevada. “Dava para perceber, como professor, que alguns alunos têm níveis de exaustão emocional bastante elevados e baixos níveis de eficácia, ou seja, os trabalhos que apresentavam e a participação na aula revelavam que não estavam a conseguir acompanhar o que lhes era exigido e o ritmo a que as aulas decorrem”, relacionado com as regras do acordo de Bolonha, disse à agência Lusa João Marôco.
Abandono do curso
Outro sinal da situação “tem a ver com a descrença e os alunos transmitiam que achavam que não davam conta do trabalho”, acreditavam não conseguir fazer a disciplina e, por vezes, julgavam-se mesmo incapazes de terminar o curso, relatou o autor do estudo. “Uma das características do "burnout" que me deixou mais preocupado foi ter notado que alguns alunos apresentavam elevada descrença na utilidade dos estudos pois a consequência mais imediata” é o abandono do curso, salientou. E avançou o exemplo dos alunos de Medicina, um dos grupo com níveis mais elevados de "burnout": se desistirem no terceiro ou quarto anos, “é um investimento feito pelo estudante, pela família e pelo Estado que é perdido”.
“Os alunos começam a ficar exaustos emocionalmente, o que se junta às condições socio-económicas do país” que acabam por reflectir-se nas condições das famílias para suportar os estudos. João Marôco disse que, “muitas vezes, para lidar com este estado de exaustão emocional, descrença e cinismo, os mais jovens recorrem a substâncias psicotrópicas, a drogas, a medicamentos”. E isso “pode ser o início da criação de dependência que começa na escola, no ensino superior. A maior parte dos professores não está atento a esse tipo de problemas, porque não tem formação na área, e muitas vezes a própria família também não”, explicou.
O estado de "burnout" associado às exigências académicas e à dificuldade em lidar com a situação, “é a porta de entrada para o abuso de substâncias e, em alguns casos mais graves, problemas físicos e psicológicos e até tentativas de suicídio”, alertou o investigador.
“Penso que valores da ordem dos cinco a 10% dos alunos seriam aceitáveis” em termos de incidência de "burnout". O especialista aconselha a tentar articular o trabalho pedido pelos vários docentes, “o que não reduzia a capacidade dos estudantes, mas diminuía a quantidade de trabalho” exigida e promovia a relação entre as matérias das várias disciplinas.
Os cursos com níveis mais elevados de "burnout" entre os alunos são os de saúde e das ciências sociais, devido a maior exaustão emocional e a maior descrença, respectivamente. Ao contrário, as engenharias apresentam menores valores de "burnout".
Recentemente, foi apresentado pelo investigador Alexandre Ramos um outro estudo sobre "burnout", desta vez nos docentes. Alexandre Ramos concluiu que “a grande maioria dos professores encontra-se em níveis médios e baixos de ´burnout´, mas nenhum se encontra no estado de ausência, o que parece ser preocupante”.