Salão Neurótico: as paredes onde se joga o absurdo
Rafaello Bordando Pinheiro, Manuel Luís Geisha, O Pratinho Feio. Absurdo? Só para quem não conhece o Salão Neurótico, mina online de trocadilhos visuais, fonéticos e sei lá o que mais
Começou por passar despercebido, mas hoje há uma brutalidade de novos trocadilhos por hora. João Silva, de 30 anos, é o "criativo", com dificuldades de se apresentar como tal, por detrás do Salão Neurótico (em tumblr e página no Facebook), autêntica neurose colectiva, partilhada, pelo menos, por 13 mil e tal pessoas. Toda a gente pode colaborar, seja no Paint ou no Photoshop — basta um trocadilho e a vontade de ser um "bocado louco", de "não ter medo de errar". Palavras enviadas por e-mail do autor da criatura que já ultrapassou o criador (e ainda bem): "A lucidez está a ser constantemente solicitada hoje em dia e eu fico feliz por ter criado um espaço onde ela também pode descansar e dar lugar ao absurdo."
Afinal, o que é o Salão Neurótico?
O Salão Neurótico quer ser uma comunidade criativa assente na linguagem dos trocadilhos de palavras e/ou visuais. O conceito é simples: se tens um trocadilho na cabeça, por parvo que seja, tudo o que tens de fazer é concretizá-lo numa imagem. Por vezes acontece que o trocadilho aconteça na própria imagem e não apenas nas palavras.
E quem és tu, João Silva?
Eu tenho 30 anos e sou "copywriter" numa agência de activação de marca, a Pepper. Sou guitarrista numa banda que nunca sai da garagem, fiz a minha licenciatura em Publicidade e Marketing, experimentei o jornalismo, fugi à área comercial e decidi testar-me para ver se afinal era ou não criativo. Sempre tive um enorme problema em apresentar-me como “criativo” a alguém: acho sinceramente que toda a gente tem um enorme potencial de criatividade, só precisa de uma linguagem que domine, um terreno no qual se sinta à vontade. Acho que o Salão Neurótico tem vindo a provar isso, com mais de uma centena de artistas desconhecidos a partilhar os seus rasgos de criatividade, e não é raro eu sentir-me ultrapassado por algumas das obras expostas.
Como é que te lembraste da Hanna Transmontana, se é que foi a primeira?
Permite-me corrigir-te: o primeiro de todos os meus "paints" nem surge no Salão, mas sim num blogue que tinha, na altura em que toda a gente tinha um blogue. É de 2009 e chama-se George Duche. Basicamente retrata uma cabine de duche a discursar na Casa Branca. A imagem está terrivelmente mal feita, mas não tenho grande problema com isso. Um amigo meu também gostou da ideia, entrámos em despique e mais tarde comecei a fazer isto no meu perfil de Facebook. Ao fim de um ano e qualquer coisa ganhei coragem e decidi abrir a página, para ver se estava sozinho neste gosto ou se havia mais pessoas a identificar-se com esta linguagem um tanto ou quanto absurda. Acho que me habituei a fazer trocadilhos por tudo e por nada a meio de conversas. Já me disseram que tenho “Tourette dos trocadilhos” porque é mesmo algo incontrolável para mim.
A Mona Lisa é o logo, o Leonardo da Vinci é o artista?
Ahahahah! O logótipo surge de uma necessidade de ter uma imagem que aliasse arte e absurdo, que veiculasse imediatamente o que é o Salão. E o Salão é um espaço de arte improvável, como uma Mona Lisa com o cérebro de fora. No caso do logótipo não há um trocadilho, ao contrário do que acontece com todas as outras imagens, mas quis que tivesse força de “bandeira” para gerar interesse suficiente para uma visita e daí para a participação. Com o nome “Salão Neurótico” é a mesma coisa: um trocadilho que eu espero que seja surpreendente, com a palavra “Salão” a remeter para a ideia de um espaço de arte, e o “Neurótico” a concretizar a abordagem ao pensamento lateral e a ser ele próprio um trocadilho provocativo.
Toda a gente pode colaborar e, efectivamente, colabora. Ficam embevecidos com as tuas declarações de amor?
Acho que os trocadilhos são algo que a maior parte das pessoas tem tendência a fazer um par de vezes ao dia. E, além disso, a possibilidade de se ser absurdo impunemente é um excelente escape ao quotidiano. As minhas declarações de amor devem-se a vários motivos: primeiro porque tenho um verdadeiro orgulho em gerir uma página com mais de 13 mil seguidores em que toda a gente se respeita. Para além disso, no Salão Neurótico há mais de seis mil imagens/contribuições de seguidores, enquanto que as minhas são cerca de 300. Isto torna as colaborações absolutamente centrais na página, o Salão só é uma página diferente porque as pessoas participam em massa nele. E isso tem de ser valorizado.
Uma pergunta realmente difícil: qual é a tua neurose preferida? Ou antes, as tuas preferidas?
Essa é uma pergunta mesmo difícil :) Como imagens gosto muito do Rambóia, Harpic Monkeys e dos Stalking Heads. Como ideias, adoro o José e Pilar, o Medi na Carreira e a Branca de Neve e o Chat Anões. Mas isto é o que te respondo hoje, amanhã se calhar a lista já seria diferente. :)
Quando é que há uma exposição?
Não sei. Eu gostava de ter maneira de expor em ambiente "offline", mas a logística não é fácil. Acredito que possa acontecer um dia destes. Mas se acontecer, quero expor os trabalhos do maior número possível de artistas/seguidores do Salão Neurótico. Expor apenas obras minhas seria totalmente contrário ao espírito e razão de ser da página.
José e Pilar ou Steven Cigala?
Duelo de titãs. Entre os dois, José e Pilar.
E, não querendo abusar, Lego dos Cisnes, render o Peixe ou medi na Carreira?
Medi na carreira. Mas parte-me o coração decidir entre os três :D