Sexualidade: os pais acham que os filhos já sabem tudo

O sociólogo José Machado Pais lançou o livro “Sexualidade e Afectos Juvenis”. Em entrevista ao P3, afirma que “a sexualidade permanece tabu nas conversas entre pais e filhos”

José Machado Pais é Sociólogo e investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa Mafalda Melo
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José Machado Pais é Sociólogo e investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa Mafalda Melo
Luis Ramos
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Luis Ramos

Em Portugal, a sexualidade ainda é tabu nas relações entre pais e filhos?

Não tenho dúvidas, entre muitas famílias a sexualidade permanece tabu nas conversas entre pais e filhos. Mas o tabu deu uma curiosa cambalhota. Outrora a sexualidade era uma temática ausente na comunicação entre pais e filhos. Não completamente ausente, poderia insinuar-se em chistes, sorrisos, subentendidos. Hoje, uma boa parte dos pais acham que os filhos já sabem tudo sobre o assunto, muito mais do que deveriam saber com os colegas, a Internet, etc. Ou seja, persiste uma demissão por parte dos pais em comunicarem com os filhos sobre assuntos relacionados com a sexualidade. Nem sempre têm presente que a informação que aos seus filhos chega pode não ser a mais apropriada.

A profusão de anúncios publicitários e séries televisivas em que se promove uma imagem do corpo humano como sendo (a única) atractiva continua a influenciar os jovens?

Os jovens tendem a ser muito sensíveis aos modelos e estereótipos de beleza que lhes chegam através dos media e da publicidade. Essa vulnerabilidade é particularmente sensível na chamada “idade do armário” – que é uma idade tipo esponja. Esta tendência de absorção pode ser contrariada por alertas dos pais ou por uma busca de si mesmos por parte dos jovens. Mas a assunção de uma identidade individual implica sempre uma dramaturgia da existência, um jogo de projecções de imagens e representações numa teia de relações interindividuais. Os olhares dos outros repercutem-se nos investimentos que se fazem nas imagens corporais que aos outros se exibem.

O que acrescenta o livro acerca deste tema?

Tentei problematizar o que é sabido, que há jovens que não lidam bem com a sua imagem corporal: acnes, borbulhas, cabelos oleosos, odores de transpiração, dentes salientes, excesso de peso, etc. Podem surgir perturbações psicológicas, sentimentos de vergonha. A construção da subjetividade é investida na imagem corporal mas nem sempre esse investimento é gratificante. As alcunhas que os jovens dão entre si sinalizam esse permanente escrutínio do parecer como revelador do ser. Há uma Salsicha porque é magra, um Bolinhas por ser gordo, um Castor por causa dos dentes, etc. O que me surpreendeu é que estas alcunhas, apesar de depreciativas, nem sempre são rejeitadas. São toleradas quando circulam como veículos de integração social.

Os relacionamentos amorosos acontecem numa idade cada vez mais precoce. A que se deve esta tendência?

Estamos perante efeitos de socialização que podem desencadear comportamentos miméticos. O meu filhote, aos 6 anos, quando na televisão via alguma banal cena amorosa logo exclamava: “lá estão aqueles no acontecimento”. Fica o registo cognitivo. Depois, na escola, pode também haver um clima propício a idealizações de namoricos, para já não falar de uma propensão à experimentação. Alguns jovens da pesquisa realizada confessaram ter dado o primeiro beijo na escola onde aprenderam as primeiras letras. Principalmente entre os rapazes, pode também haver uma pressão de grupo para a iniciação sexual precoce, na expectativa de ganhos de estatuto. No entanto, também encontrámos jovens, de ambos os sexos, para os quais a iniciação sexual não é necessariamente uma obsessão.

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