Chamam-lhe geração à rasca. É a mais qualificada de sempre, a mais viajada, a mais internacional. Mas não sabe o que é um emprego para a vida e já não pensa em carreira – fala de projectos. Num cenário de crise, há novos significados para palavras como flexibilidade e mobilidade. E muitos dão o grito da independência – são "freelancers" para o que der e vier.
A tarefa hercúlea – de fazer um retrato desta geração – não tem uma resposta só. Vítor Ferreira, cientista social, fala de uma realidade ramificada entre uma geração cheia de oportunidades e estrangulada num contexto de crise. E admite que não há uma versão mais ou menos próxima da verdade: "É nessa dicotomia que se vive".
Ser jovem não é (só) uma questão de idade. A juventude é mais do que isso: é uma "condição social" – tem a ver com uma "série de marcadores de passagem" e alargou-se no tempo. É-se jovem mais cedo e até mais tarde.
Novos contextos sociais
É uma realidade que se vem instalando desde o 25 de Abril, data que assinala o início de um contexto de socialização completamente diferente, e que evoluiu por força de outros eventos posteriores: "A entrada na União Europeia e a chegada das tecnologias da informação" perspectivaram novas visões do mundo e uma geração diferente até da de 80, explica Vítor Ferreira.
O crescimento de vagas no ensino superior abriu caminhos nunca antes explorados, mas arrastou um mercado de trabalho indisponível para receber tanta mão-de-obra qualificada. As universidades tornaram-se demasiado evoluídas para um tecido empresarial pouco desenvolvido. E, nesse contexto, “foi-se percebendo que a licenciatura não era, por si só, uma garantia de emprego”, analisa Carlos Gonçalves, investigador na Universidade do Porto.
Estudar ainda compensa – “O título académico protege mais do que outros títulos”, lembra Carlos Gonçalves –, mas os estudantes estão preocupados com os problemas do ensino superior. E a ausência de estabilidade leva muitas vezes a três sentimentos sequenciais: “Insatisfação, desmotivação, revolta”.
Uma vida, vários trabalhos
Num contexto de flexibilidade, as sociabilidades tornaram-se dispersas – "Não é por acaso que as redes sociais têm tanto espaço", lembra Vítor Ferreira – à boleia de alterações estruturais do mercado de trabalho. Foram-se os empregos para a vida, perdeu-se a noção de carreira, ficaram os "projectos" como estrutura de emprego e os recibos verdes como forma de pagamento: é o trabalho como "freelancer" – chamado de a nova Revolução Industrial -, que já representa um quarto da força de trabalho da economia portuguesa.
Estudar e trabalhar no estrangeiro é sempre uma hipótese em aberto e um em cada dez licenciados decide mesmo abandonar o país. Mas quem fica garante que não se sente pior por isso. E há até quem tenha emigrado e decida regressar - apesar da troika.
Esta é a "geração mundo" – utiliza "low cost" e fica alojada em casa de amigos, mas não prescinde da viagem. É a geração que faz voluntariado - por solidariedade, mas também por um melhor currículo, porque as empresas valorizam as "competências" que advêm dessa experiência. É a geração "download", da rapidez, diversidade e partilha na forma como consome cultura.
O investigador Machado Pais, numa crónica enviada ao P3, resume o repto lançado a esta geração: "Os jovens de hoje confrontam-se com o desafio de se adaptarem a circunstâncias de vida mutáveis".