O ódio pela comédia (parte 2)

Podemos ter pessoas com piada, mas isso não é fomentado nem desenvolvido. Ainda mais grave: quantas vezes já vimos pessoas hilariantes serem sugadas pela mediocridade reinante?

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Um Mundo Catita

Qualquer lista que se faça com os grandes momentos da comédia portuguesa dos últimos anos terá de ser sempre curta. Aceite-se o que se quiser nela. Não é à toa: os bons produtos são a excepção e não a regra. Eu, por exemplo, incluo o Bruno Aleixo e "Um Mundo Catita"* na minha versão dessa lista (e mais, mas não estou aqui para o "namedropping"). São produtos originais e, mais importante, com piada. O que é raríssimo. Pior do que isso, não são recompensados da maneira certa. Ou seja, podemos ter pessoas com piada, mas isso não é fomentado nem desenvolvido. Ainda mais grave: quantas vezes já vimos pessoas hilariantes serem sugadas pela mediocridade reinante?

Não é com agressividade ou arrogância que escrevo isto. É com tristeza. Passo os dias a usufruir de e a pensar sobre comédia e envergonha-me ser tão raro ter a possibilidade de me rir com algo feito em Portugal. E há muita gente que pensa assim. Acontece por a generalidade das pessoas (as que produzem, as que consomem e as que ignoram) se estar a lixar e por não haver critérios nem discurso crítico sobre a comédia. É isso, além do factor das traduções (sobre isso já disse tudo isto) e de se achar que é tudo igual que me leva a dizer que este país odeia essa arte.

Em “Talking Funny”, um especial da HBO do ano passado, Ricky Gervais dizia que não percebia por que é que pessoas pagavam para ver cómicos a debitar piadas medíocres que os amigos e a família podiam fazer. Que queria estar em palco a dar ao público algo de que eles não se conseguissem lembrar sozinhos. É um objectivo nobre, mesmo que nem sempre atingível. Daí eu ficar desiludido quando o vejo a não se esforçar para o cumprir. Ora, acontece exactamente o mesmo quando o Nilton (e muito mais gente), que diz mesmo que não gosta do óbvio, ouve falar de uma explosão e diz automaticamente "Sónia Brazão", como se isso por si só fosse incrível. Não é: é algo de que qualquer um se lembra. O humor pode ser subjectivo, mas isto é um facto.

É isso que vejo em grande parte da comédia portuguesa: pessoas que pensam na coisa mais óbvia que há e vendem-na como se fosse algo original. Não há qualquer consciência de que o que se pensou pode já ter sido pensado antes. Quando imagino o que quer que seja, por mais estranho ou bizarro que me pareça, penso, logo a seguir, algo como “aposto que alguém já se lembrou disso”. Não me parece que muitas pessoas que são pagas para terem piada tenham essa preocupação.

Todos nós, como pessoas, temos experiências de vida diferentes, com aspectos que nos fazem únicos e outros que partilhamos. Quando vejo comédia portuguesa parece que não. Parece que só sabemos que os filmes do Manoel de Oliveira são lentos (sem nunca os termos visto) ou que agora há amigos no Facebook. Para muita gente isso é suficiente. Para mim não. Eu quero saber, caraças, eu quero saber.

* Posso dizer que o "Um Mundo Catita" mudou a minha vida. Olhei para aquilo e pensei "afinal pode-se ter piada e fazer uma boa série em Portugal?" Até me daria esperança, isto se não tivesse sido feito por criadores que se endividaram para fazer algo decente e depois estiveram tempos para conseguir vender o programa a um canal que maltratou a coisa. E dizem que este país não odeia comédia.

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