Entre os filmes que merecem ser salvos do esquecimento está “Dodsworth” (o mesmo não se podendo dizer do título que lhe arranjaram em Portugal), de William Wyler, esse extraordinário realizador de quem falámos a propósito de “Carrie” (“Entre Duas Lágrimas), de 1952, e de "Mrs. Miniver" (“A Família Miniver”), de 1942, e de quem não me espantaria que voltássemos a falar.
Desta vez recuamos a 1936 para examinarmos em conjunto, caso a amabilidade dos leitores o consinta, uma obra discreta, por vezes demasiado formal nos seus códigos, usos e costumes, denotando inevitavelmente a antiguidade da década retratada, por comparação com o que hoje se faz e diz. No entanto, o que deste cenário transparece da arte com que foi feito compensa amplamente o espectador atento.
Partindo de um romance de Sinclair Lewis, o primeiro escritor norte-americano a ser galardoado com o Prémio Nobel da Literatura (e autor de outros romances que foram adaptados ao cinema como “O Dr. Arrowsmith”, “Elmer Gantry” e “Cass Timberlane”), com argumento de Sidney Howard, direcção de fotografia de Rudolph Maté e direcção artística de Richard Day (que ganhou o Óscar respectivo), “Dodsworth” mostra-nos o dia em que Sam Dodsworth, magnata da indústria automóvel localizado na pouco importante cidade de Zenith, se aposenta da sua carreira industrial e decide fazer uma grande viagem pela Europa, na companhia da sua esposa, Fran.
Sam é interpretado por Walter Huston, um actor actualmente tão pouco conhecido que quando não desperta memórias pela menção ao seu trabalho de velho pesquisador de ouro em “O Tesouro de Sierra Madre”, ao lado de Humphrey Bogart, se acrescenta que é o pai do realizador John Huston (que o dirigiu naquele filme); Fran é Ruth Chatterton, a quem não vale a pena tentar atribuir outras credenciais, já que este passa por ser o seu melhor papel.
Sempre em ambiente de luxo, seja dos interiores da sua moradia em Zenith, seja dos transatlânticos ou dos hotéis a que a sua fortuna lhes dá acesso nos anos 30, à medida que a viagem decorre torna-se evidente a adoração que Sam, de gostos simples apesar da tal fortuna, tem pela sua mulher, que, por seu turno, tem uma considerável adoração por si mesma e gostos complicados pela vaidade, pelo pânico da perda da juventude e pelo estatuto em que a coloca o dinheiro acumulado pelo marido num tempo em que ela não o poderia fazer.
É na humanidade da situação que o filme se ganha, no trabalhar destes maquinismos movidos a egoísmo que conduzirá com precisão aquelas vidas aonde o espectador prevê que conduza, seja qual for a época em que o testemunhe. Assim como é universalmente redentora a figura de Mrs. Cortright (Mary Astor) e perfeitamente ideal a representação daquela casa de paz e salvação onde ela mora. Que outro lugar que tenhamos visto foi mais convincente no seu simbolismo de Paraíso na Terra? Digam lá, se puderem...