Cyril Pedrosa sonhou e desenhou o "Portugal" dos avós
O ilustrador francês deu o salto e durante três meses andou às voltas com as suas origens, com um álbum de recordações
Cyril Pedrosa bebeu Alvarinho, provou as melhores sopas (com ou sem orelha de porco), apanhou nêsperas maduras no quintal e não teve mãos a medir — agradeceu a hospitalidade e foi juntando os produtos da terra na atafulhada mala do carro.
“Portugal” — inserido na colecção “Aire Libre”, da editora Dupuis — é um livro de banda desenhada com mais de 260 páginas imaginadas pelo neto de portugueses que emigraram para França nos anos 30. “É como descrever um labirinto”, diz Pedrosa, que nesta obra autobiográfica é Simon Muchat, um ilustrador com um bloqueio criativo e problemas conjugais.
O autor e a sua personagem (a família de Ciryl é natural da Figueira da Foz; a de Simon é de Marinha da Costa) andam “em ziguezagues, para a frente e para trás”, às voltas com as suas origens, com um volumoso álbum de recordações que foi reaberto em Maio de 2006, durante o Festival de Banda Desenhada da Amadora para o qual Cyril Pedrosa foi convidado.
Foram “três curtos dias” em que o autor (premiado criador de "Les Trois Ombres" que também trabalhou nos filmes “O Corcunda de Notre Dame” e “Hércules”, ambos da Disney) só teve tempo para aprender três coisas: que o café custa 0,80 euros, que os emigrantes são angolanos e brasileiros e que o Alentejo tem bom vinho.
Balões em portuguêss
Cyril (Poitier, 1972) voltou ao seu “Portugal” no Verão de 2008. Ficou três meses. Termina assim a sua obra, que demorou três anos a concluir: “Querido pai. Vou ficar em Portugal mais tempo que o previsto. Apetece-me desenhar este país. Veremos onde isto me leva”.
Levou-o à varanda do casario do Bairro Alto (capa do livro), ao quarto número 213 e a uma série de blocos de apontamentos e esboços. Levou-o às escadas íngremes e às tascas de Lisboa, aos fios entrelaçados do eléctrico e às conversas cruzadas sobre o jogo de futebol da véspera numa língua que vai assimilando por paixão.
“Portugal” são os seus primeiros passos de adulto pelo país que visitara 23 anos antes pela mão dos pais. Desta vez andou perdido, aprendeu a comer sardinhas à mão com uma senhora que deu o salto durante o salazarismo. “Frias não prestam”.
O álbum vive de milhares de cenários de aguarela e de balões. A grande parte dos diálogos do álbum são escritos em francês. Mas Cyril, o ilustrador que costuma apanhar o comboio e parar em vilas desconhecidas para conhecer as suas personagens, articula muito texto em português, transformando este álbum quase num insólito das duas línguas.