“Stalking”: uma neo-criminalização necessária

Ao criminalizar o assédio persistente estar-se-á a conferir poder à vítima, a dar-lhe os meios para agir em sua defesa, a criar mecanismos para impor regras ao perseguidor

David W./Flickr
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O que leva certas pessoas a perseguir outras de forma pertinaz não é questão que me incomode. O que me incomoda é o efeito que essa perseguição tem nas vítimas. E esse efeito pode ser terrível.

O que levou países como o Japão ou os EUA a considerar o assédio persistente (“stalking”) crime desde os anos 90 foi o facto de que muitas vezes a perseguição só pára com a morte da vítima. A legislação portuguesa só considera crime a perseguição quando esta é um mau trato físico no quadro da violência doméstica ou quando se telefona para outra pessoa para lhe perturbar o sossego. Mas chegará?

Então e quando o “stalker” se posta em frente de sua casa. Não diz nada, não faz nada, só está lá. Ou à porta do local de trabalho? E se telefonar para a sua mãe a dizer-lhe que teve um acidente, que está no hospital e é mentira? E se lhe mandar coroas de flores para casa? Ou para o escritório? Ou uma carrinha funerária? E e-mails constantes? E quando lhe manda presentes indesejados? E quando faz negócios em seu nome com cobranças ao destinatário? E se lhe alterar os contratos da água, da luz e do gás pelo telefone fazendo-se passar por si? E quando não se deixa ver, mas marca a sua presença, um vaso deslocado na entrada da sua casa, qualquer coisa fora do sítio?

Não são ameaças. Não lhe está a dizer que lhe vai fazer mal. Mas que perturba, perturba. E obriga-o a mudar de rotinas, a mudar de caminho para o trabalho, a mudar de caminho para levar os miúdos à escola. Tem de mudar de supermercado (em casos mais graves até de residência). Passa a ter de andar acompanhado…

Muitas vezes, de facto, a acção de perseguir é uma espécie de escalada. O “stalker” dá pequenos passos no início mas a certa altura entrega-se de tal modo à coisa que não pode parar. E pode chegar a matar a vítima!

Mas a questão não é só essa. É a de que viver sob o poder de um “stalker” é altamente stressante para a vítima. Ao criminalizar o assédio persistente estar-se-á a conferir poder à vítima, a dar-lhe os meios para agir em sua defesa, a criar mecanismos (como os que já há para a violência doméstica) para impor regras ao perseguidor.

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