Aos jovens, Haruki Murakami toca-lhes na corda sensível, primeiro que tudo. O resto vem depois. É como interpreto, numa primeira leitura, a ternura com que pegam nos livros, sopesando um calhamaço como "Crónica do Pássaro de Corda" ou revirando entre os dedos o pequeno volume de "Sputnik, Meu Amor". Vejo-os todos os anos, na Feira do Livro, aproveitando a oportunidade (leve quatro, pague três...), e sei do que falo porque aproveito muitas vezes para conversar com eles. Depois, acontece que os vejo por vezes enquanto lêem, ensimesmados, indiferentes aos olhares. Sigo ainda o que escrevem nos blogues.
Murakami toca-lhes fundo. De forma inteligente, sem paternalismo e com humor. Quando fala da ternura e do sexo. Da vida em família e da camaradagem (ou da ausência dela) na escola. Da cumplicidade e da estranheza das ligações que se vão estabelecendo... ah, só o tema das chamadas telefónicas dava para um artigo. Da solidão. Da violência. Peguem em Kafka, o de Murakami, claro, Tamura de seu nome. Juntem-lhe Johnnie Walker (atenção, não beber o sangue). Sabiam que há uma página do MySpace criada por João Tamura? Onde terá o jovem ido buscar o apelido? O mundo é um sítio violento, Murakami sabe disso, mas nos seus romances interioriza a violência e trata esse tema com uma estranha e desarmante candura: quem conhece o seu discurso proferido aquando da entrega do Prémio Jerusalém ("O muro e o ovo"), percebe. Por outro lado, é bom não esquecer que Murakami se considera, no fundo, um optimista. Como ele diz, as suas personagens "acabam por encontrar uma solução para superar os seus problemas, mas têm de sofrer pelo caminho".
Os leitores vivem com as personagens, daí a importância dos rituais que percorrem o nosso quotidiano. Entre gestos simples, como lavar as mãos e pentear os cabelos, ou descascar uma maçã, preparar um jantar ao som de Puccini enquanto uma pessoa espera que o paisagem em volta se revele porventura menos deformada. Acredito que o Tiago, do blogue Murakami PT, feche muitas vezes os olhos, olhe para o tecto e e deixe escapar um suspiro profundo pleno de sugestões e possibilidades, como acontece com o Tengo, na página 119 do "1Q84". "Sinto que ele consegue sintonizar de forma sublime o que corre dentro de nós", confessa o Tiago. Tengo, Aomame, Kafka, Hajime, Izumi, Toru, Kumiko e tantas outras, são personagens que têm nome japonês mas falam ao coração dos leitores jovens de todo o mundo. E, depois, este japonês apela à leitura. Conheço quem tenha saído de lá, de dentro dos seus romances, pronto para devorar Dickens e Dostoiévski, Tchéhov, Hammett, Shakespeare, Carver, só para citar meia dúzia. Sei de muito boa gente que começou a escrever por causa dele.
Murakami abre o seu coração aos jovens e fala-lhes ao ouvido. Não admira que as raparigas espanholas que o receberam na Catalunha, quando ali foi receber um prémio, o quisessem beijar...