Livros atrás das grades

Andámos por três das 49 cadeias portuguesas a tentar perceber a serventia do livro

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Adriano Miranda

Diz-se que, ali para os lados do Vale do Sousa, os livros fizeram um milagre. Há três anos, Luís Vilas-Boas começou a trabalhar na biblioteca da prisão e ainda agora dá graças a Deus. “Quando vim para aqui não conhecia nenhum escritor. Fui aprendendo. Vou aprendendo. Todos os dias, aprendo alguma coisa.” E sente-se feliz – feliz por ter os dias cheios do que gosta.

O espólio era pequenino, como pequenino costuma ser o espólio das cadeias novas como aquela. E ele tentou remediar isso. Ainda agora tenta. “Todos os dias segue uma carta a pedir livros – a câmaras municipais, a editoras, a empresas, a todos. Uns dizem que não podem, outras dão. Quando chega um livro é um orgulho. Estou a contribuir para as leituras dos meus colegas.”

Andámos por três das 49 cadeias portuguesas a tentar perceber a serventia do livro. Conversámos com alguns dos reclusos mais assíduos naquela espécie de santuários que são as bibliotecas prisionais. E percebemos que as serventias são mais do que fomos capazes de imaginar.

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Luís Vilas-Boas, 33 anos, 34 anos de pena Adriano Miranda

Daniela Marinho, presa por tráfico de droga, usa a leitura para se isolar: “Há muitas intrigas [na cadeia]. O ideal é enfiar a cabeça num livro.” Francisco Rodrigues, preso por homicídio na forma tentada, usa-a para se evadir: “Ai as cidades a que eu já fui, os monumentos que eu já visitei!”

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Daniel Silva, 27 anos, 15 anos de pena Adriano Miranda

Quarta classe

Belarmino Santos Silva só tem a quarta classe, mas fala no livro como se fosse Marcel Proust: “Eu encaro o livro como um amigo. Quando estou deprimido não quero falar. Desabafo com a leitura, aconselho-me com a leitura.” João Oliveira estava a fazer doutoramento em genética e usa os livros para desviar o pensamento: “Os livros afastam-me um bocado dos meus conflitos emocionais, ocupam-me com questões intelectuais.”

O grau de escolaridade é baixo entre a população prisional. Maria Rodrigues lê para “não estagnar”. Álvaro Marques inspirou-se num livro para se reinventar. Está a aproveitar a reclusão para estudar: “Entrei com o 6.º, fiz o 9.º nas Novas Oportunidades, vou fazer o 12º.”

Há aspectos que surpreenderão quem gosta de ler. Sabia que o género mais procurado nas cadeias é a poesia? Mas nada nos surpreendeu tanto como Luís Vilas-Boas. O antigo carpinteiro, que a justiça condenou a uma pena impossível de 34 anos, já sonha com a abertura de um café-biblioteca. E que ninguém se atreva a sugerir-lhe que opte por um café-livraria.

“Não conseguia vender um livro! Eu gosto de livros. Gosto de olhar para eles. Posso estar stressado, chego aqui e passa-me o stress. Não sei. Chego aqui.... abre-me a cabeça. Sinto-me em paz.”

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