Adelaide, Gonçalinho e Mafalda. A esteticista, o animador sócio-cultural e a revisora da Metro do Porto têm algo em comum. Para além de serem pessoas comuns, como se vivessem numa música dos Pulp, os três personagens de “Gostava de ter um piriquito” vivem imersos numa solidão da qual não é fácil escapar.
Foi a solidão destes jovens adultos, tão rotineira quanto real, que mais interessou Joana Moraes, que assina a direcção artística e a encenação desta peça, escrita juntamente com os actores Ana Vargas, Gilberto Oliveira e Joana Carvalho, que pode ser vista, até domingo, dia 16, no Maus Hábitos, no Porto, sempre às 22h00.
“Gostava de ter um piriquito” é uma peça simples, despretensiosa e geracional, recorrendo a um humor, por vezes cruel, mas sem sacrificar a sua intenção de nos fazer reflectir sobre os pequenos nadas da única vida que temos. Como diria Adelaide, a esteticista abandonada pelo marido: “A vida é o que é, mas temos cá dentro a força necessária para espantar os espíritos”. Adelaide sabe do que fala: o marido que se afastou vendia espanta espíritos em feiras de artesanato. Ou seria nas feiras medievais?
Uma vida em vão
Gonçalinho, um jovem adulto de calções, que passa o tempo quase todo em cena a folhear livros de Paulo Coelho, é um animador sócio-cultural, com pouco jeito para namoradas, que insiste em conduzir, à noite, sempre dentro do maior respeito até às proximidades do parque Biológico de Gaia. A vida de Gonçalinho é mesmo assim. Em vão.
Também Mafalda se pode queixar do vazio em que caiu, desde que veio de Bragança para o Porto. A salvação não a encontrou num curso de Literatura. A banda desenhada talvez a tranquilize, até porque o único romance que se lembra de ter lido era qualquer coisa do género “O Amor qualquer coisa”. E trabalhar no metro é “um trabalho simples”. “Mas”, admite no seu ansioso conformismo, “gosto”.
O que verdadeiramente a salva é o trabalho solitário juntos dos solitários que descarregam infelicidade na linha telefónica da amizade. “Gostava de ter um piriquito” é a reposição de um projecto que resultou do Mestrado em Encenação e Interpretação de Joana Moraes na Escola Superior de Música e das Artes do Espectáculo do Porto. Para Joana Moraes, esta peça é um “espectáculo sobre solidão, excesso de informação e amizade... ou a falta dela. Que é, como quem diz, a falta de um piriquito. Ou de qualquer coisa parecida.