Como todos os jogos, o xadrez de “A Pedra” tem as suas regras – e antes de começar a pensar no que ia fazer com as seis peças do texto, Catarina Barros, a figurinista desta produção das Boas Raparigas, soube que a regra número um era só usar “pretos, brancos e cinzentos”.
Dadas as características do tabuleiro – praticamente monocromático –, Catarina decidiu então “jogar com padrões”. Foi assim que avançou para a família Heising, o núcleo principal do texto, conta ao P3.
“Resolvi vesti-los de xadrez e a partir daí olhar para todo o texto como um jogo. A mãe [Witha] faz o jogo da filha [Heidrun], o jogo de que o pai [Wolfgang] foi um herói. E o próprio autor faz um jogo com os espectadores: será que a família Heising ajudou os judeus Schwarzmann ao comprar-lhes a casa, ou ajudou-se a si própria?”.
O xadrez – um padrão em voga nos anos 30, e que tem o lado simbólico de ter aparecido na Escócia como forma de distinguir os clãs, as famílias – torna-se mais claro de geração em geração, como se, com o tempo, o peso da colaboração de Wolfgang com os nazis ficasse mais esbatido.
Tudo é preto e branco, mas nada é preto no branco: “O Wolfgang tem sempre dois lados: não conseguimos perceber se foi obrigado pelo regime a tomar certas atitudes ou se era um nazi convicto, por isso pu-lo mais sombrio. A viúva dele, a Witha, é a matriarca, uma sobrevivente: tem um xadrez muito marcado. A filha, que vive do orgulho que tem no pai mas começa a ter as suas dúvidas, tem a quadrícula da mãe e o ponto inglês do pai: é uma mistura dos dois. E à neta, uma rebelde, liguei o movimento grunge que foi uma grande influência na década de 90, em que decorre a acção”, explica Catarina.
Os bons e os maus
As duas personagens “de fora” – a senhora Schwarzmann, proprietária original da casa, e Stephanie, a alemã de Leste que ali viveu com o avô depois da fuga dos Heising para o Ocidente – jogam outro jogo, outras regras.
“Subtilmente, as riscas delas evocam as fardas dos campos de concentração. Só a senhora Schwarzmann é judia, mas as duas são de certa forma excluídas”, diz a figurinista.
Xadrez para os maus, riscas para os bons? Nada disso, esclarece: “Não há um juizo moral sobre as personagens, apenas a necessidade de as distinguir para que o público as reconheça”. O que também tem a ver com esse tempo em que, na Alemanha, as pessoas mostravam pela roupa, pelos distintivos (a braçadeira nazi, a estrela amarela), a que família pertenciam.