Em 2008, o dramaturgo Marius von Mayenburg (Munique, 1972) construiu uma casa em Dresden para ali enterrar (vivos, mortos, mortos-vivos) os piores anos do século XX alemão.
Entre 1935 e 1993 (os anos da crise, de Hitler, da perseguição aos judeus, da guerra, da Solução Final, da Alemanha partida ao meio, e depois reunificada, mas com uma cicatriz de alto a baixo), vemos entrar, pela porta giratória desta vivenda, uma família judia, uma família nazi (ou não) e uma família de Leste.
Também as vemos sair, à pressa, deixando para trás o piano, as cartas de amor e o baloiço com vista para o bosque. Até dia 25 (às 21h45; domingo às 16h), é nesta casa que vivem As Boas Raparigas.
"A Pedra", de Mayenburg, foi o texto que a companhia de teatro portuense escolheu para o seu segundo encontro com a encenadora Cristina Carvalhal no Estúdio Zero da Rua do Heroísmo. Um texto que, no seu constante vaivém entre passado e presente, resume a história recente da Alemanha, entre o vertiginoso anti-semitismo da década de 30 e o stress pós-traumático da reunificação.
Como noutras casas antigas, aqui convivem três gerações da grande e desavinda família alemã – mesmo as gerações que já partiram, como a senhora Schwarzmann (Júlia Correia), judia forçada a fugir para os EUA nos anos que precedem a Segunda Guerra Mundial, e Stefanie (Joana Carvalho), cujo avô herda a casa depois da chegada dos russos e ali permanece até à queda do Muro de Berlim, voltam para contar a sua versão da história e reclamar o direito àquele lugar.
Nem preto nem branco
Quando chegam, é como se a casa se desmoronasse, pelo menos para Witha (Maria do Céu Ribeiro), Heidrun (Sandra Salomé) e Hannah (Sara Carinhas), as três mulheres (mãe, filha e neta) que lá vivem: de súbito, o passado heróico da família, e nomeadamente do patriarca Wolfgang Heising, é radicalmente abalado por perturbadoras revelações.
"É incrível a maneira como se vai revelando a verdadeira história. As personagens vão reformulando o seu próprio passado para poderem viver com o peso do que fizeram”, nota a encenadora, Cristina Carvalhal.
Também por isso, as personagens de “A Pedra” usam roupas de xadrez (uma ideia da figurinista Catarina Barros): ninguém na Alemanha do século XX foi totalmente preto, nem totalmente branco. É fácil apontar o dedo, mas não é esse o espírito, sublinha Cristina Carvalhal: "Todos podíamos ter estado de um lado ou do outro”.
Amanhã ainda é dia, mas hoje é a oportunidade ideal para visitar esta casa: atendendo à crise, as Boas Raparigas decidiram que o público pagará o que achar justo pelo bilhete para “A Pedra”. Depois, e até ao dia 25, o bilhete volta a custar cinco euros.