Escrevo este artigo dois dias após ter sido pública a passagem de testemunho do CEO da Apple, Steve Jobs. Visionário, deixa uma marca indelével na história da sociedade contemporânea.
O sucesso da Apple Macintosh a muito se deve à visão humanizada da máquina. Quer ao nível da emoção, cujos produtos sempre assumiram por via de uma marca fortíssima, quer da função, pelo aperfeiçoamento de novos paradigmas de interacção. E desde 1984 que assim é…
A adopção da metáfora da "desktop" humanizou a relação do cidadão comum com o computador, substituindo as herméticas e fastidiosas linhas de código por um contexto amigável transpondo o utilizador para uma secretária com pastas, papéis, caixote do lixo, incluindo até outros objectos comummente partilhados num local de trabalho eighties, como a calculadora e o bloco de notas…
A introdução de um interface conceptualmente físico no meio digital, há já praticamente 30 anos, revolucionou a forma como "dialogamos" com a máquina e acelerou a profecia de Bill Gates: Uma casa, um computador.
É esta a beleza e o poder do desenho/design (de interfaces; equipamentos; cidades, etc.) que influencia o nosso dia-a-dia, devendo por isso merecer por parte de todos uma análise cuidada, atenção crítica e exigência aos produtos e serviços com que interagem.
Funcionalidade e versatilidade
Donald Norman, que palestrou na FEUP no passado dia 5 de Setembro, é uma das maiores referências desta abordagem mundana, despretensiosa mas sistematizada na observação da interacção do homem com o meio que, para além do designer, contribui igualmente para despertar e orientar uma cidadania activa e informada sobre um dos desígnios do design: Tornar as tarefas do dia-a-dia mais aprazíveis e funcionais, respondendo às expectativas e necessidades das pessoas.
Não obstante a versatilidade da metáfora da "desktop", que permitiu a padronização de um modelo mental na interacção em consonância com a criatividade do desenho de interfaces, desta também resultaram algumas restrições e inibições em contextos multimédia, nomeadamente, na web.
Observem-se os sítios web de alguns dos jornais de referência, nacionais e internacionais, que mantêm uma dimensão livresca no acesso às notícias.
Porventura, a metáfora da “desktop" condicionou a forma como estas se estruturam na web pois, implicitamente, são pensadas para o papel. Este, como sabemos, é agora o ecrã, mas tal como o primeiro, mantém-se confinado a espaços fragmentados.
Não são raros os exemplos em que o interface induz o leitor a aceder individualmente a diferentes tipologias de conteúdos (vídeo, som, fotografia, texto, infografia, etc.) em detrimento do primado da narrativa noticiosa que, per se, os deveria entrecruzar e aglutinar num "objecto multimeios".
Na semana em que o P3 é dado a conhecer ao grande público, importa reconhecer a tentativa de ruptura deste modelo tradicional que, acredito, contribuirá para reajustar o conteúdo noticioso à web de forma mais integrada e eficaz.