Eutanásia: PS põe Inspecção da Saúde a fiscalizar pedidos de doentes

Socialistas usam “eutanásia” em vez da “morte antecipada” escolhida pelo BE. PS especifica que eutanásia só pode ser despenalizada em casos de “sofrimento extremo” e assegura que processo pára se doente ficar inconsciente.

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Miguel Manso

É um projecto de lei cauteloso: um doente que apresente um pedido de eutanásia vai ter de passar por cinco crivos, de percorrer cincos passos até à autorização final, e está ainda prevista uma garantia suplementar. A Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS) é chamada a fiscalizar o processo e pode mesmo suspendê-lo. Esta é uma das diferenças do projecto de lei do PS para a despenalização da eutanásia relativamente às outras duas iniciativas já conhecidas, a do PAN e a do Bloco de Esquerda (BE).

Sublinhando que o que está em causa não é a "afirmação de qualquer direito constitucional à eutanásia" mas apenas "a possibilidade de disposição da própria morte em circunstâncias especiais", o grupo parlamentar do PS especifica que só "uma pessoa maior, em situação de sofrimento extremo, com lesão definitiva ou doença incurável e fatal" poderá pedir a antecipação da sua morte sob supervisão médica. Na prática, o que se visa é alterar o Código Penal, despenalizando os crimes de homicídio a pedido da vítima e de incitamento ao suicídio em "situações especiais".

“O PS não quer despenalizar toda e qualquer eutanásia. Por isso apertamos a malha”, explica Maria Antónia Almeida Santos, vice-presidente da comissão parlamentar de Saúde e a segunda dos seis deputados que assinam o texto entregue na sexta-feira na Assembleia da República - e que desde essa altura está aberto à subscrição de todos os deputados que nele "se revejam". 

Na exposição de motivos, os socialistas sustentam que a despenalização da eutanásia, desde que em circunstâncias especialmente circunscritas, "não é inconstitucional". E citam até alguns "eminentes mestres do nosso Direito", incluindo o actual Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, para defender que "não é líquido" que estas questões "possam ser respondidas a partir do artigo 24.º da Constituição (Direito à vida)".

Este é o terceiro projecto de lei sobre a complexa e polémica matéria a ser entregue na Assembleia da República. E, desde logo, há uma diferença semântica em relação aos projectos apresentados pelo PAN e pelo BE: os socialistas usam no título a palavra “eutanásia” em vez da expressão “morte medicamente assistida” do PAN e “morte antecipada” do BE. E o PS optou por usar, por sugestão de vários médicos ouvidos sobre esta matéria, a expressão “sofrimento extremo” em vez do “sofrimento duradouro e insuportável” escolhido pelo BE e do “sofrimento intenso” da proposta do PAN.

De resto, o projecto do PS, “ao contrário do que foi dito, tem muitas garantias, cinco passos tal como o do BE”, sublinha a deputada.  O pedido de abertura do "procedimento clínico" é efectuado pelo doente e dirigido ao médico por ele escolhido (“médico orientador”). Este é o primeiro passo e salvaguarda-se a possibilidade de estar em curso um processo judicial que vise a incapacidade do paciente.

Comissão de verificação só tem um médico

A segunda fase passa pelo parecer do médico que tem que prestar ao doente toda a informação sobre as alternativas disponíveis. O terceiro passo é o da confirmação por um médico especialista na patologia em causa e, o quarto, o parecer de um psiquiatra, que apenas é obrigatório em caso de dúvidas sobre a capacidade de o doente decidir de forma "séria, livre e esclarecida ". Depois, é pedido o parecer a uma comissão que o PS, à semelhança do que já acontecia nos projectos do PAN e do BE, cria para avaliar o processo e dar ou não autorização. 

Esta comissão tem cinco dias úteis para se pronunciar (em vez das 24 horas propostas pelo BE) e é composta por apenas cinco elementos (dois juristas, um médico, um enfermeiro e um especialista em bioética) indicados por entidades independentes, numa tentativa de se "despolitizar" o processo. O BE propõe uma comissão de nove elementos (três juristas, três profissionais de saúde e três especialistas em bioética), sendo seis eleitos pela Assembleia da República. 

Basta um médico? “Não estamos a dar muito poder aos médicos. É à autonomia do doente que está subjacente toda a filosofia do nosso projecto”, responde Antónia Almeida Santos, que acredita que os receios daqueles que usam o argumento da rampa deslizante estão acautelados nas garantias repetidas no projecto.

Numa última instância, o processo é enviado para a Inspecção-Geral das Actividades em Saúde, “que poderá estar presente até ao acto da concretização da decisão do doente”. “A IGAS pode aparecer em qualquer fase do processo para verificar questões de segurança e outras condições. E pode parar o processo até à concretização do acto. Esta é mais uma barreira”, diz.

A juntar à da garantia que, se o doente ficar inconsciente antes da data marcada para a antecipação da morte, o processo é interrompido, ao contrário do que propõem os bloquistas - que preveem uma excepção nos casos em que um paciente que tenha feito um testamento vital deixe expressa a vontade de prosseguir o procedimento mesmo nesta situação.

O prazo da regulamentação também é distinto. O PS quer ver a lei regulamentada no prazo de 90 dias contra os 180 dias sugeridos pelo BE. Mas as diferenças são o que menos importa, enfatiza a deputada, que lembra que os socialistas beneficiaram do facto de apresentarem o projecto mais tarde e terem tido assim a oportunidade de “dissipar críticas” . “Isto não é uma batalha política. Se conseguirmos aprovar os projectos na generalidade, em sede da especialidade vamos ter um bom texto”, remata.

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