Governo usa 80% da almofada de 2017 para reduzir défice de 2018
Quando apresentou o OE 2018, o Governo estimava que o ponto de partida em 2017 seria um cenário em que a despesa pública seria 1700 milhões de euros mais alta do que aquilo que se veio a verificar.
O Governo prepara-se para utilizar na redução do défice cerca de 80% da almofada de cerca de 1000 milhões de euros com que ficou pelo facto de a execução orçamental de 2017 ter sido melhor do que aquilo que era estimado quando foi apresentado o OE para 2018.
Aplicando aos valores finais da execução orçamental de 2017 (sem incluir o efeito da capitalização da CGD) as taxas de variação da despesa e da receita definidas no OE 2018 para este ano, o saldo orçamental para 2018 registaria, de acordo com os cálculos feitos pelo PÚBLICO, uma melhoria ligeiramente superior a 1000 milhões de euros. Isto significa que, se o Governo optasse por manter, tanto para as despesas como para as receitas, o mesmo ritmo de crescimento ou contracção projectados no OE, o resultado seria agora a obtenção de um défice cerca de 0,5 pontos percentuais mais baixo do que o previsto, apenas graças ao facto de o ponto de partida ser agora mais favorável.
Isso colocaria o défice de 2018 nos 0,6% do PIB, 0,5 pontos abaixo dos 1,1% traçados como meta no OE 2018 apresentado em Outubro (depois de incluído o efeito da despesa relacionada com o combate aos fogos) e depois aprovado pela Assembleia da República.
O Governo, no novo Programa de Estabilidade que será discutido e aprovado no Conselho de Ministros desta quinta-feira, deverá apontar para um défice ligeiramente superior de 0,7%. Esta quarta-feira, o ministro da Economia, em declarações à agência de notícias Bloomberg, confirmou aquilo que vinha sendo noticiado por vários órgãos de comunicação social, que o “défice este ano vai ser 0,7% do PIB”.
Isto significa que o Governo irá aproveitar cerca de 800 milhões de euros da margem conquistada com o brilharete registado em 2017, quando o défice (excluindo o efeito CGD) ficou em 0,9%.
Esta revisão em baixa da meta do défice para este ano (e provavelmente também para os anos seguintes) está a deteriorar o ambiente entre o Governo e os partidos que à sua esquerda o apoiam. Bloco de Esquerda e PCP defendem que o avanço no plano de redução do défice conseguido em 2017 deveria ser aproveitado, não para acelerar a aproximação a uma situação de equilíbrio, mas para reforçar despesas de investimentos que permitam uma melhoria dos serviços públicos prestados. Os partidos à esquerda não vêem, por isso, motivos para o Governo se desviar daquilo que definiu há um ano no Programa de Estabilidade para os anos de 2017 a 2021.
Nesse documento, que o Governo agora terá de actualizar, apontava-se para um défice de 1% em 2018 e de 0,3% em 2019, atingindo-se depois excedentes de 0,4% e 1,3% em 2020 e 2021. Se aquilo que os partidos à esquerda gostariam de ver era estes valores pelo menos mantidos no novo Programa de Estabilidade, já do lado das autoridades europeias o desejo seria provavelmente que o Governo português, partindo dos 0,9% de 2017, mantivesse para os anos seguintes o mesmo ritmo de redução do saldo. Se tal acontecesse, o défice seria de apenas 0,4% já este ano, atingindo-se logo em 2019 (o último ano da legislatura) um excedente de 0,3%.
O Governo, a confirmarem-se os valores de 0,7% para 2018 e 0,2% para 2019 que têm vindo a ser noticiados, parece querer optar por uma trajectória de evolução do défice situada a meio destes dois cenários.
Um estudo publicado esta semana por quatro economistas, incluindo o deputado do PS Paulo Trigo Pereira, defende exactamente que o novo Programa de Estabilidade aponte para défices de 0,7% e 0,2% este ano e no próximo, afirmando que este cenário é “mais realista [do que o do anterior Programa de Estabilidade] pois, sem interromper a consolidação orçamental, acomoda melhor a manutenção da qualidade dos serviços públicos, e tem um impacto macroeconómico mais favorável”.
Diferença maior é na despesa
À esquerda, considera-se que é preciso ir mais longe. E, além da questão da qualidade dos serviços públicos, outros desentendimentos com o Governo, como o voto contra do PS na proposta do BE de nova redução das penalizações sobre as reformas antecipadas nas carreiras longas, são apresentados como sinais de que o Governo está a ir rápido demais no esforço de consolidação orçamental.
Estes temas tornam-se ainda mais relevantes quando se verifica que foi do lado da despesa, incluindo a despesa com prestações sociais, que a execução de 2017 trouxe mais surpresas face à estimativa feita quando foi apresentado o OE para 2018.
Mais uma vez, retirando da análise o impacto da capitalização da CGD, em Outubro, o Governo previa uma despesa total de 86.257 milhões de euros, mas o resultado final acabou por ficar 1701 milhões de euros abaixo.
As despesas com prestações sociais, que incluem pensões e subsídio de desemprego, ficaram 441 milhões de euros abaixo do que era estimado, as despesas com consumos intermédios foram de menos 302 milhões, as despesas com pessoal de menos 139 milhões e os juros de menos 94 milhões. Isto significa que, em todas estas rubricas, o Governo ou passa a apontar para taxas de variação superiores às que estão inscritas no OE ou então irá gastar menos do que estava previsto nesse documento.
Poder-se-ia pensar que, ao nível da receita, o Governo teria sido também surpreendido pela positiva entre Outubro e o final do ano, tendo em conta o desempenho muito positivo que registou a economia nesse período. No entanto, se é verdade que as receitas fiscais e as contribuições sociais ficaram em 2017 acima da estimativa do OE 2018 em 180 e 202 milhões de euros respectivamente, quando se olha para o total da receita, o resultado foi 666 milhões de euros mais negativo.
O peso das regras europeias
A pesar nas contas que o Governo tem que fazer está no entanto um outro indicador, o saldo estrutural, e as regras impostas pelas autoridades europeias para a sua evolução.
A Comissão Europeia tem definido para Portugal – e para os outros países da zona euro – um objectivo de médio prazo que o país tem de atingir no saldo estrutural (o saldo orçamental depois de retirados os efeitos da conjuntura económica e das medidas de carácter temporário e extraordinário). O objectivo é criar uma margem de segurança que permita aos países, em momentos de crise económica, não ultrapassar a barreira dos 3% no défice. No caso português esse objectivo é de um excedente de 0,25% do PIB potencial e o país, enquanto não o atingir, tem de caminhar para ele a um ritmo de 0,5 pontos percentuais por ano.
Portugal ainda está longe de atingir a meta e isto significa que, se quiser cumprir rigorosamente as regras, o novo Programa de Estabilidade teria de manter, independentemente do resultado mais forte de 2017, um ritmo forte de melhoria do saldo estrutural, o que, num cenário em que a conjuntura continua a ser favorável, implica necessariamente uma redução também significativa do défice nominal.
No artigo de opinião que publicou no PÚBLICO, o ministro das Finanças mostrou vontade de atingir o objectivo de médio prazo, defendendo a necessidade de assegurar "margem fiscal e orçamental para fazer face a futuras crises" e lembrando que as experiências passadas na zona euro mostram que "perante cenários económicos mais adversos, o saldo das contas públicas se deteriora em média três pontos percentuais".
Uma possibilidade de argumentação em relação a esta limitação pode ser, do lado português, a possibilidade de o objectivo de médio prazo para o saldo estrutural definido para Portugal poder ser revisto este ano pela Comissão Europeia, passando do excedente de 0,25% actual para um défice de 0,5% (o mínimo exigido a qualquer país). No entanto, nesta fase, essa revisão está longe de ser um facto adquirido.