O vinagre de vinho do Porto e as saudades do Marquês de Pombal

O estudo “Rumo Estratégico para o Setor dos Vinhos do Porto e do Douro” foi apresentado em Fevereiro e esteve em auscultação do sector até à semana passada. O que nos diz? O óbvio.

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José Manuel Ribeiro/Reuters

A “rainha de Inglaterra” moveu-se. A “rainha” é o presidente do Instituto dos Vinhos do Douro e Porto, Manuel Cabral, que tem cumprido o seu papel com a mesma discrição e rigor institucional de um monarca, para não criar problemas a ninguém, nem à tutela, nem à toda-poderosa Associação de Empresas de Vinho do Porto (AEVP), nem a ele próprio. A poucos semanas de cessar funções, resolveu, finalmente, dar ouvidos a um clamor regional: a possibilidade de produzir vinagre de vinho do Porto.

Esta simples aspiração tem esbarrado até hoje na obsessão burocrática do IVDP de proteger tudo o que envolva as palavras “vinho do Porto”. O raciocínio para a proibição devia ser este: vinagre é o resultado final dos maus vinhos e o vinho do Porto é um dos melhores vinhos do mundo, logo não pode estar associado a tal produto. Com a sua diplomacia musculada, a associação de empresas do sector lá conseguiu convencer os responsáveis do IVDP que um bom vinagre é um produto de grande prestígio e, no passado mês de Janeiro, as duas entidades assinaram um protocolo para se começar a produzir de forma experimental “Vinagre de Vinho do Porto”. Na última década, esta talvez tenha sido a única decisão com impacto relevante para a vinicultura do Douro.

Apesar das mudanças rápidas que estão a acontecer no mundo, o Douro continua conservador como sempre. Os problemas da região são flagrantes, mas pouco ou nada é feito para os resolver: as vendas de vinho do Porto estão em queda há mais de uma década; a certificação dos vinhos banalizou-se; o IVDP está sequestrado pelas regras da administração pública, não podendo gastar sequer em promoção o que cobra aos produtores para esse efeito; a denominação e a classificação das vinhas continuam enquadradas num sistema pensado apenas para o vinho do Porto: este continua interdito aos pequenos produtores, que, para poderem comprar e vender vinho do Porto como qualquer grande empresa, são obrigados a começar a actividade com um stock mínimo de 150 mil litros (quase meio milhão de euros); os preços das uvas e dos vinhos DOC Douro mantêm-se em valores ridículos, face aos elevados custos de produção; e as assimetrias sociais avolumam-se.

Admito: não é fácil resolver o “problema” do Douro. Com pequenas nuances, as queixas dos produtores de hoje são iguais às que os seus antepassados faziam nos séculos XVIII, XIX e XX. O “problema” do Douro está na sua estrutura económica, que sempre foi e é cada vez mais bipolarizada: de um lado estão as grandes empresas (antigamente eram os “ingleses”), do outro está o grosso dos lavradores, que vive da venda de uvas. O resto é economia: quando a procura supera a oferta, os preços sobem e os produtores ganham mais; quando a oferta é excedentária, os preços caem e perdem todos. Ora, mesmo com o turismo a crescer, o Douro produz mais do que as suas necessidades e, por isso, as uvas e os vinhos vendem-se, muitas vezes, abaixo do custo de produção. Como se resolve isto?

Em busca de uma solução e procurando responder à pergunta “como e onde vender mais e melhor?”, o IVDP encomendou no ano passado um estudo à Universidade de Trás-os-Montes. Para elaborar os Termos da Referência e o Caderno de Encargos do trabalho, contratou a Porto Business School e para fazer o acompanhamento e a avaliação do trabalho contratou o economista Daniel Bessa. O estudo “Rumo Estratégico para o Setor dos Vinhos do Porto e do Douro” foi apresentado em Fevereiro e esteve em auscultação do sector até à semana passada. O que nos diz? O óbvio. Faz um bom retrato do negócio do vinho no mundo, da situação portuguesa e do Douro em particular e repete, no essencial, o que já sabíamos: que o Douro tem uma estrutura de minifúndio, que a produtividade das vinhas é baixa, que a população está envelhecida, que a região continua muito dependente do “benefício” (o direito a produzir vinho do Porto) e que as uvas das vinhas tradicionais, sobretudo as destinadas a DOC Douro, são vendidas a baixo do custo de produção. No capítulo das soluções, só avança com três propostas de algum relevo: a diminuição do stock mínimo de vinho do Porto, para atrair novas empresas e novos produtores; a criação de um Simplex + para os agentes do sector; e a criação de uma plataforma logística regional no Douro. No resto, é proposta a criação de um “Sistema Inteligente de Mercado”, de um “Sistema integrado de formação” e de uma “Regulação inteligente do vinho do Douro” (nomes pomposos que nunca levam a nada) e uma maior aposta na comunicação digital e na promoção.

Nada concreto sobre como modernizar a denominação de origem, como tornar mais exigentes as classificações dos vinhos, como regenerar o próprio IVDP, como equilibrar a necessidade de continuar a reestruturar vinhas, para facilitar a sua mecanização, com a importância da conservação das vinhas velhas, que estão a ser destruídas a eito com apoios públicos. Nada, finalmente, sobre a questão essencial: como regular a oferta e a procura no Douro. Nem era preciso nenhum estudo, bastava olhar para o que está a acontecer este ano. Como a produção de uvas diminuiu bastante no ano passado, o preço do vinho a granel duplicou.

A solução está aos olhos de todos: é só adequar a produção de uvas às necessidades reais da região, diminuindo a área de vinha (com apoios generosos aos atingidos) ou reduzindo administrativamente a produção de uvas. As empresas que vendem vinhos baratos vão sofrer? Vão. Mas não há outro caminho. A escolha está entre a sobrevivência de milhares de viticultores ou a sobrevivência de algumas cooperativas mal geridas e de empresas que vivem da especulação e dos preços baixos.

Se fosse vivo, Marquês de Pombal, com todos os seus defeitos, já tinha feito a sua opção e dado um abanão no marasmo. Por mim, pode voltar, que está perdoado.

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