O que se aprende como júri do Concurso da Patanisca
Aprendi coisas novas sobre o petisco da cidade. Uma patanisca não sonha e é chata e é no equilíbrio entre os ingredientes que está a arte de quem as cozinha. Muito importante ainda é a temperatura a que são fritas.
Uma patanisca não sonha e é chata. Não quer isto dizer que uma patanisca – essa especialidade de Lisboa que se pretende valorizar com o Concurso da Patanisca, este ano na segunda edição – deva ser desinteressante ou aborrecida. Pelo contrário. O que se pretende é discutir o que faz de uma patanisca uma bela patanisca. E podemos partir de duas certezas: a patanisca não deve ser fofa como um sonho e, para ser verdadeiramente lisboeta, deve ser achatada. Isto é o básico.
Mas, tendo feito parte do júri do concurso, aprendi algumas coisas novas sobre o petisco. Os membros do júri foram avisados de que deveriam chegar uma hora antes do início da prova para garantir que não se cruzavam com os candidatos dos dez restaurantes concorrentes e, assim, não tinham o mais leve vislumbre das pataniscas que pudesse influenciar as suas opiniões.
Essa hora em que estivemos mais ou menos isolados numa sala deu-me a oportunidade para esclarecer algumas dúvidas com Maria de Lourdes Modesto, presidente do júri e profunda conhecedora da gastronomia portuguesa – além de apreciadora confessa de pataniscas.
Primeiro ponto: patanisca não só não é sonho como também não é tempura. “Os japoneses aperfeiçoaram essa técnica que os portugueses levaram para o Japão”, explicou Maria de Lourdes Modesto. Ao fazerem-no, criaram um polme diferente, mais leve e estaladiço, efeito que se obtém usando água gelada. Ora, a patanisca não pede nada do género. Trata-se de um prato pobre, “de aproveitamento”, sublinha a gastrónoma.
“Numa patanisca, é tudo pouco”, diz. Tanto o bacalhau (que é lascado e não desfiado como no pastel de bacalhau) como a farinha, o ovo (apenas um), os pedacinhos de cebola, alguma salsa. É no equilíbrio entre os ingredientes que está a arte de quem as cozinha. Este é, aliás, um dos critérios que o júri tem que avaliar, juntamente com o aspecto, o “sabor e consistência do interior”, a “ausência de gorduras excessivas” e, por fim, o “sabor global”.
Muito importante também, explicou-me Maria de Lourdes Modesto, é a temperatura da fritura. O óleo deve estar quente, mas não tanto que queime o exterior e deixe o polme encruado. Outro detalhe a ter em conta é a textura – se se bate demasiado o polme, a farinha começa a criar glúten e corre-se o risco de, depois da fritura, ficar borrachosa, quando deve ser elástica, embora não em excesso.
Tendo tudo isto em mente, lá avaliámos as dez pataniscas concorrentes, o que acabou por se revelar mais fácil do que poderia parecer (sobretudo se comparado com o Concurso do Melhor Pastel de Nata de Lisboa, do qual também já fui júri e que representa um desafio mais complicado, não só pelo número de pastéis a concurso como pelo facto de muitos deles terem uma qualidade elevada e já bastante semelhante).
No caso das pataniscas, é mais fácil distinguir entre as mais saborosas e as mais equilibradas, e rapidamente chegámos a resultados que, comparados posteriormente, foram bastante consensuais. Começam por se destacar as que surpreendem positivamente e as que têm claras falhas – demasiada gordura, pouco sabor, fritura excessiva, etc.
As primeiras são as que conseguem o tal equilíbrio, não caindo noutro erro que Maria de Lourdes Modesto também apontou – “este ano notou-se que os restaurantes tinham mais bacalhau nos frigoríficos”, ironizou, referindo-se ao facto de em algumas as lascas serem demasiado grandes e dominantes.
No final, anunciados os vencedores, o público que está a assistir pode provar as pataniscas. E – pelo menos é o que se pretende com este concurso – passará a ser mais exigente da próxima vez que sair pataniscando por aí, e reconhecerá à patanisca o seu devido lugar entre os petiscos mais emblemáticos de Lisboa.