Insanidade institucional: autorizar prospecção de petróleo em Portugal
A insanidade é achar que se pode resolver a questão das alterações climáticas com os truques contabilísticos com que se manipulam orçamentos, défices e dívidas.
Chegará em breve ao fim uma consulta pública inédita em Portugal: sabendo-se que há impactos na perfuração oceânica ultra-profunda à procura de petróleo e gás em Portugal, o Governo mandou perguntar aos cidadãos se é necessária uma avaliação de impacto ambiental. No dia 16 de Abril chega ao fim este período de mês e meio em que se pergunta os cidadãos se é para cumprir a lei, ou se o regabofe da passadeira vermelha estendido às petrolíferas é a única e insana política pública deste Governo.
É difícil acreditar que o Governo decida cumprir a lei e avalie o impacto ambiental de uma das indústrias mais poluidoras que alguma vez existiu, já que teve oportunidade para parar este furo inúmeras vezes, até com participações públicas multitudinárias de oposição ao furo. Ainda assim, vale a pena responder no site participa.pt ou anossavoz.pt.
É nosso dever, enquanto sociedade, agir contra a insanidade. Contra a insanidade económica, contra a insanidade política, contra a insanidade institucional. Explico-me. Poderíamos estar a falar de inconsciência, poderíamos estar a falar de desconhecimento, poderíamos estar a falar de corrupção. Mas não, do que falamos é de insanidade perante uma clareza científica sem paralelo: existem alterações climáticas, provocadas pela Humanidade, que estão a aquecer o planeta a uma velocidade inaudita desde que há civilização humana; a maneira como estamos a aquecer o planeta dramaticamente provém directamente da queima de petróleo, gás e carvão, que liberta dióxido de carbono e metano para a atmosfera.
Existem alguns mecanismos institucionais para tentar combater esta insanidade: o Acordo de Paris previa manter o aumento da temperatura abaixo dos 1,5º-2ºC até 2100. Tal como ocorreu com o Protocolo de Quioto, dificilmente os mecanismos do acordo servirão para garantir que a subida se detém nos 2ºC, porque deixam à opção de cada Estado cortar emissões como calhar, o que geralmente ocorre da maneira mais simples de todas: sob a pata das petrolíferas e das energéticas, os governos não cortam emissões.
Como os cientistas sabem fazer contas, temos um orçamento de carbono bastante mais credível que os orçamentos nacionais e comunitários usados para guiar o investimento, o desemprego, os cortes, as políticas públicas em geral. O orçamento de carbono diz-nos exactamente quanto de combustíveis fósseis podemos queimar até atingirmos um aumento de temperatura de 1,5ºC e 2ºC. Para mantermos o aumento da temperatura abaixo dos 2ºC, podemos emitir perto de 330 gigatoneladas de dióxido de carbono. Em termos de previsões, com o actual nível de emissões chegaremos ao aumento de 1,5ºC em 2022 e ao aumento de 2ºC em 2037.
Entre empresas e Estados, conhecem-se hoje reservas de petróleo, gás e carvão suficientes para emitir perto 2800 gigatoneladas de dióxido de carbono. Segundo a sanidade, 80% destas reservas não podem ser exploradas para conseguirmos manter a temperatura abaixo dos 2ºC. Estes 2ºC são identificados como “barreira” a partir da qual se desencadearão fenómenos climáticos irreversíveis, alterações climáticas descontroladas e catastróficas, o “runaway climate change”.
Quando o Governo de António Costa autoriza a prospecção e exploração petrolífera no mar do Algarve e do Alentejo, e em terra em Alcobaça, manda tudo isto às malvas. É que essas reservas, a existir, nem sequer são das que não podemos queimar, vão ainda além destas. É pensar além do inferno, além dos piores cenários. Mas esta insanidade tenta racionalizar: o primeiro-ministro disse-nos que o país será “carbono neutro” até 2050, mas quando se questiona como é que a exploração de petróleo e gás entraria na equação, a resposta é que se esse petróleo e gás for queimado noutro país (o que seria o mais provável, qualquer descoberta ser obviamente enviada para o comércio internacional, sem qualquer impacto económico local), as emissões contariam noutro lado. A insanidade é achar que se pode resolver a questão das alterações climáticas com os truques contabilísticos com que se manipulam orçamentos, défices e dívidas. As instituições existem principalmente para garantir a manutenção do statu quo, mesmo que isso garanta o colapso da sociedade, o que é insano.
A História recorda-nos que votar com os pés, na rua, é sempre a maior força que movimentos sociais e populares têm para garantir justiça, para garantir democracia, para garantir futuro, para combater a insanidade. A manifestação “Enterrar de Vez o Furo, Tirar as Petrolíferas do Mar”, no dia 14 de Abril na Praça Camões, em Lisboa, é o próximo momento de manifestar publicamente e colectivamente a resolução de não permitir que o furo de petróleo em Aljezur ocorra, marcando desde já a certeza que não serão somente legalidades duvidosas, fraudes à participação, a resignação a factos consumados ou a insanidade institucional que determinarão o futuro da exploração de petróleo e gás em Portugal.