Derrota em Madrid originou “suicídio colectivo” em Alvalade
Presidente do Sporting criticou os jogadores no final do jogo com o Atlético. Futebolistas criticaram o líder do clube no dia seguinte e Bruno de Carvalho suspendeu os atletas. “Leões” jogam com Paços com equipa B.
Há derrotas com efeitos devastadores para uma equipa, mas a do Sporting, em Madrid, quinta-feira, frente ao Atlético (2-0), na primeira mão dos quartos-de-final da Liga Europa, foi quase apocalíptica. Depois do presidente “leonino” ter criticado com dureza e publicamente o desempenho dos seus jogadores, os atletas reagiram nesta sexta-feira, acusando o seu líder de falta de solidariedade. Em resposta, Bruno de Carvalho suspendeu quase todo o plantel.
Esta não é a primeira vez que o presidente sportinguista critica publicamente a sua equipa após uma exibição desastrosa, mas desta vez as consequências foram explosivas. É que os jogadores reagiram em bloco para mostrar o seu desagrado, com uma mensagem na rede social Instagram. Bruno de Carvalho, com a impetuosidade que o caracteriza, suspendeu todos os que partilharam o recado que, à hora de publicação desta notícia, eram 19. Os atletas da equipa B irão receber o Paços de Ferreira no próximo domingo.
“Meninos amuados, então vamos resolver”, escreveu o dirigente na sua página no Facebook, a rede social da sua preferência, na qual na véspera também criticara os jogadores. “Todos os atletas que escreveram o que em baixo descrevo estão imediatamente suspensos, tendo de enfrentar a disciplina do clube”, ameaçou. E voltou às repreensões: “Já estou farto de atitudes de miúdos mimados que não respeitam nada nem ninguém, como, por exemplo, os adeptos relativos aos quais já ouvi comentários do mais baixo possível.”
Uma reacção musculada a uma mensagem que surgira pouco antes, partilhada, entre outros, pelo capitão Rui Patrício. “Em nome de todo o plantel do SCP [Sporting Clube de Portugal], espelhamos neste texto o nosso desagrado, por virem a público as declarações do nosso presidente, após o jogo de ontem [quinta-feira], no qual obtivemos um resultado que não queríamos”, escreveram os jogadores (pelo menos os 19 que a partilharam), lamentando “a ausência de apoio” daquele que “devia ser o [seu] líder”. E foram eles: Rui Patrício, William Carvalho, Fábio Coentrão, Bruno Fernandes, Battaglia, Piccini, Palhinha, Coates, Acuña, Gelson, Podence, Bruno César, Wendell, Montero, Bryan Ruiz, Rúben Ribeiro, Ristovski, Doumbia e Rafael Leão.
Bruno de Carvalho não perdoou e não foi meigo com as palavras, apesar de ter retirado o post poucos minutos depois de o publicar: “Estas crianças mimadas julgam que vão longe, mas desta vez a minha paciência esgotou-se para quem acha que está acima do clube e de qualquer crítica. Começam com Somos Sporting e que não existe um Eu mas um Nós, sendo que isso não passa de mera fantasia, pois na realidade não o são. São profissionais rotativos e que o que lhes interessa não é o Eu ou o Nós. Só lhe interessa o Eles.”
Jorge Jesus em silêncio
Mas o furacão foi iniciado pelo próprio presidente pouco depois do apito final da partida de Madrid, a que não pôde assistir por motivos pessoais. “Viver um jogo de longe custa muito mais, mas ver erros grosseiros de jogadores internacionais e experientes ainda acrescenta mais ao sofrimento”, escreveu, depois de censurar as actuações dos defesas centrais Coates e Mathieu (que protagonizaram erros que originaram os golos do Atlético), Fábio Coentrão e Bas Dost, por terem visto cartões amarelos que os retiram da partida da segunda mão, na próxima quinta-feira, em Alvalade, e ainda Montero, por ter falhado um golo perto do final do encontro.
Logo na noite de quinta-feira, Bruno de Carvalho ainda procurou desdramatizar as suas palavras, entrando em directo ao telefone num programa de debate desportivo da CMTV. “Gostava de saber onde é que arrasei ou deixei de arrasar jogadores neste post [do Facebook].” E voltou a desvalorizar a questão na manhã desta sexta-feira: “Aquilo que importa aos jogadores, ao treinador e a mim são os vouchers, e-mails, e-toupeira e os jogos para perder”, disse, após uma audiência na Procuradoria-Geral da República, em referência a processos relacionados com o futebol português que estão sob investigação judicial.
De nada valeu para apaziguar o plantel. O resultado, a confirmar-se a suspensão do grosso dos jogadores da equipa principal, é que o Sporting terá de apresentar a equipa B nos próximos compromissos. Os jogadores em causa terão ainda de ser notificados pelo SAD (Sociedade Anónima Desportiva) do clube e se tal ocorrer antes de domingo não irão participar na recepção ao Paços de Ferreira para o campeonato.
Nesse cenário terão de entrar em acção os elementos da equipa secundária, o que abre outro problema. O Sporting B desloca-se este sábado a Oliveira de Azeméis, para enfrentar a Oliveirense, em encontro da II Liga, não havendo tempo para a recuperação dos jogadores que alinharem na partida, como é imposto pelos regulamentos.
Aguardada é também a reacção de Jorge Jesus a esta crise inesperada. O treinador, a quem Bruno de Carvalho garantiu a continuidade em Alvalade antes do jogo de quinta-feira, também criticou a equipa pelos erros em Madrid, durante a conferência de imprensa, mas desconhece-se a sua posição neste braço-de-ferro entre jogadores e presidente.
Se são já incontáveis as guerras que o presidente sportinguista “comprou” desde que assumiu funções, em Março de 2013, as suas baterias estão na maioria das vezes apontadas aos “inimigos externos” ou à ténue oposição interna. Também já atingiu membros da sua própria equipa, como aconteceu com Marco Silva, na temporada 2014-15, que culminou com a saída do treinador. Mas esta situação, pela sua dimensão, é absolutamente inédita, sendo imprevisível a posição que os sócios vão assumir neste diferendo. Algo que poderá começar a ser esclarecido no jogo com o Paços de Ferreira.
Críticas após derrota em Guimarães
Em Novembro de 2014, após uma pesada derrota no terreno do Vitória de Guimarães, por 3-0, Bruno de Carvalho veio igualmente a público censurar a actuação da equipa. Na altura estendeu a reprovação à formação B, que fora goleada pelo Atlético, por 5-0. “Este fim-de-semana jamais poderá ser esquecido. Quer a equipa principal quer a equipa B brindaram os sportinguistas com péssimas exibições que não dignificaram o nosso clube e a nossa camisola. Não demonstraram garra, nem vontade de vencer e isso é lamentável só nos restando pedir desculpa por não termos sido dignos do clube que representamos”, referiu o presidente através de uma mensagem no Facebook.
Declarações que terão precipitado a ruptura com Marco Silva, mas que não mereceram uma reacção dos próprios jogadores. Desta vez, o plantel revoltou-se e as consequências prometem ensombrar o que resta da temporada ao Sporting, que entrou numa fase crucial, com a equipa ainda a poder dar a volta na Liga Europa, a disputar o acesso à final da Taça de Portugal com o FC Porto e com hipóteses mais do que matemáticas para chegar ao título ou, pelo menos, ao segundo lugar, que dá acesso à pré-eliminatória da Liga dos Campeões.
A inspirar a decisão de Bruno de Carvalho de suspender quase todo o plantel poderá ter estado o presidente do Olympiacos, o também polémico Vangelis Marinakis. No início desta semana, o dirigente grego desiludido pelos maus resultados da equipa resolveu multar (400 mil euros) todos os jogadores que enviou para férias até ao final da temporada.
“Vou reconstruir o Olympiacos de uma ponta a outra, e será a equipa com que sonhámos, eu e o resto dos adeptos já vos tolerámos que chegue, vão-se embora hoje”, disse, segundo foi noticiado por vários órgãos de comunicação gregos, que revelaram mais pormenores desta repreensão: “Pago milhões para que vocês tenham tudo, por vossa causa já tive três treinadores, mas no fim parece que vocês é que têm culpa”, acusou Marinakis. Mas, salvem-se as diferenças: o Olympiacos é heptacampeão (com 12 títulos nas últimas 13 temporadas) e segue actualmente na terceira posição a apenas três pontos do líder.