O Grande Lebowski e o “Dude” do Alvarinho
Há outros excelentes produtores de Alvarinho, mas ninguém foi tão longe no estudo e exploração da casta e na sua adaptabilidade à barrica, ninguém experimentou tanto, ninguém tem sido tão criativo quanto Anselmo Mendes.
O Grande Lebowski, dos irmãos Coen, não foi um grande êxito de bilheteira, mas eu adorei o filme. Jeff Bridges e John Goodman têm desempenhos antológicos e os diálogos são absolutamente desconcertantes.
A “história” passa-se em Los Angeles e é básica: o protagonista (Jeff Bridges) é um desempregado que se auto-intitula The Dude e passa a vida a jogar bowling, a beber e a fumar ganzas. Um dia, a sua rotina sofre um abalo, quando dois gangsters lhe entram em casa confundindo-o com Jeffrey Lebowski, o marido milionário de uma mulher (Julianne Moore) que deve dinheiro a algumas pessoas. A partir daí, The Dude decide procurar Jeffrey Lebowski para lhe pedir uma indemnização.
Vinte anos depois, o filme continua a ser notícia. Como lembrava Vítor Belanciano no PÚBLICO do passado dia 29 de Março, O Grande Lebowski foi recebido com pouco entusiasmo pela crítica, mas “originou uma pseudo-religião, o ‘dudeismo’ com mais de 450 mil ‘sacerdotes ordenados’, festivais anuais nos Estados Unidos em que milhares de fãs mascarados se juntam para celebrar o filme e todos os seus momentos mais obscuros, livros e análises académicas, concursos de White Russians e legiões de fãs tão fervorosos que inspiraram o seu próprio filme, o documentário The Achievers”.
Hoje, alguns dos críticos que avaliaram negativamente o filme, estão a fazer mea culpa. O filme é melhor do que julgaram na altura.
Com os vinhos, isto também acontece frequentemente. Quantas vezes bebemos um vinho que nos desagrada e que, alguns anos depois, achamos extraordinário? E o contrário também. O vinho, como um filme, um livro ou uma viagem, tem o seu momento.
Se me perguntarem qual foi o melhor vinho que já bebi, não sou capaz de dizer. Mas já sei dizer qual foi o que mais me emocionou. Foi um branco de Penedés (Catalunha), o Nun Vinya dels Taus, um Xarel-lo de 2008 ou 2009, de Enric Soler. Já o contei nestas páginas. A meio de um jantar, em Fevereiro de 2012, no El Celler de Can Roca, dos irmãos Roca, em Girona, pedi a Josep, o irmão que trata da garrafeira, que nos surpreendesse com um vinho diferente e ele sugeriu aquele branco. Na altura, era um vinho de garagem e barato. Mal o provei, quase chorei. Controlei-me, por vergonha, mas o vinho mexeu comigo, pela sua pureza, carácter e originalidade. Tinha algo que não se consegue explicar. Só experimentando. No final, Josep ofereceu-me duas garrafas e, mais tarde, quando as bebi em casa não me causaram o mesmo impacto. Foi “aquele” momento que exaltou a qualidade do vinho.
Outros vinhos já passaram por mim como cão por vinha vindimada, sem deixarem qualquer rasto de emoção. Um dia provei o Alvarinho Tempo de Anselmo Mendes ainda na adega, e detestei o vinho. Era rústico e amargo, sem qualquer interesse. Nunca tinha bebido um vinho de Anselmo Mendes tão desagradável.
Aproveito para me confessar: sou um admirador incondicional de Anselmo Mendes. Para mim, ele é o Dude do Alvarinho e não só. Luís Cerdeira, da Quinta de Soalheiro, também faz Alvarinhos extraordinários e o seu percurso é igualmente meritório. Há outros excelentes produtores de Alvarinho, mas ninguém foi tão longe no estudo e exploração da casta e na sua adaptabilidade à barrica, ninguém experimentou tanto, ninguém tem sido tão criativo quanto Anselmo. A seu favor, tem o facto de ser um viticultor ligado à terra com mundo e conhecimento científico. Tem a memória do campo e o saber da universidade — e uma curiosidade quase juvenil.
É essa curiosidade e inquietação permanentes que explicam o seu interesse por outras castas e regiões. O prestígio actual da variedade Loureiro tem o seu dedo e, se a Avesso começa a emergir como uma grande casta, isso deve-se, também, em grande parte, a Anselmo Mendes. Um dia ainda vamos ouvir falar muito dos novos tintos do Minho, feitos com Alvarelhão e outras castas um pouco mais “fáceis” do que o Vinhão, e o nome de Anselmo Mendes vai aparecer nos créditos.
Podia destacar também o seu trabalho na Adegamãe, em Lisboa, na Quinta dos Frades, no Douro, na ilha Terceira, com os delicioso vinhos dos Biscoitos, ou ainda na Bairrada, com os grandes vinhos kompassus. Mas o que merece mesmo destaque é o seu trabalho nos Vinhos Verdes, no contributo que teve na evolução dos magníficos brancos da Quinta de Sanjonne e da Quinta do Ameal e na qualidade das suas múltiplas criações (Muros Antigos, Muros de Melgaço, Contacto, Curtimenta, Expressões, Parcela Única e Tempo).
Nem tudo que faz é imaculado. Ainda assim, se tivermos que lhe apontar algum defeito é o de ser demasiado criativo. Faz tantos vinhos que já começa a ser difícil escolher. O Muros de Melgaço foi durante alguns anos o seu grande vinho. Depois foram surgindo outros. Quando lançou o Parcela Única, um Alvarinho de uma só parcela, uma espécie de Borgonha dos Vinhos Verdes, julguei que tinha finalmente produzido o seu topo de gama. Mas, entretanto, surgiu o Tempo, que é o branco mais caro de Portugal. Custa 67,50 euros.
O tal vinho pelo qual, quando o experimentei ainda em bruto, não dava nem cinco euros, era um vinho desequilibrado e com mais defeitos do que virtudes. O aroma até tinha a sua piada, mas na boca era quase repulsivo. Há dias, cerca de dois anos depois, voltei a prová-lo e fiquei de queixo caído. Nem parece o mesmo vinho. O vinho foi apurando na barrica e na garrafa e hoje é seguramente um dos melhores brancos portugueses. É um vinho que nos mostra o grande potencial e a grande plasticidade do Alvarinho. Revela-nos também outra coisa: o tempo que a região dos Vinhos Verdes tem perdido a fazer Alvarinhos sem muita graça, muito frutadinhos e tropicais, deixando-se ultrapassar em invenção e notoriedade pela vizinha Rias Baixas, onde, em condições mais difíceis e com piores vinhas, se fazem hoje brancos que são uma referência mundial. O Minho está mesmo a precisar de mais Dudes.