México trava "caravana" de imigrantes que irritou Trump e dá vistos humanitários
Grupo que motivou tweets furiosos de Donald Trump está em fuga de perseguições e más condições de vida na América Central. Governo mexicano diz que a Casa Branca estava ao corrente de tudo.
Um grupo de mais de mil imigrantes da América Central que se dirigia do Sul do México para os EUA começou a ser desmantelado, depois de o Presidente norte-americano ter escrito uma série de tweets a atacar as autoridades mexicanas. Mas as organizações humanitárias dizem que esta caravana de imigrantes não estava sequer preparada para chegar à fronteira – é, acima de tudo, uma forma de chamar a atenção para o drama da imigração naquela zona do mundo.
Todos os anos, desde 2010, organizações humanitárias como a Pueblo Sin Fronteras e a Casa del Migrante juntam no Sul do México algumas centenas de imigrantes, principalmente das Honduras, de El Salvador e da Guatemala, numa operação a que chamam "Via-Sacra do Migrante", sempre na época da Páscoa.
São homens, mulheres e crianças que fariam essa viagem da América Central até à fronteira do México com os EUA de qualquer forma, mas que nesta altura do ano recebem a companhia de voluntários dessas organizações humanitárias – pelo caminho recebem informações sobre como pedir asilo no México e nos EUA, e circulam mais protegidos dos gangues e cartéis que exploram, sequestram e matam imigrantes.
"Exército de estrangeiros"
No domingo, quando deu início a uma série de sete tweets consecutivos sobre o tema da imigração, o Presidente norte-americano apontou o dedo à "caravana" deste ano, organizada pelo grupo Pueblo Sin Fronteras.
Apesar de estas caravanas serem um acontecimento anual (e de serem constituídas, em maioria, por homens, mulheres e crianças em fuga de uma das zonas mais violentas do mundo à excepção dos países em guerra), o Presidente Trump usou a deste ano como um exemplo das consequências daquilo que descreve como as "leis liberais ridículas" do Partido Democrata e a suposta permissividade do México em relação à entrada de "grandes fluxos de droga e de pessoas" nos EUA.
Lou Dobbs, um conhecido apresentador da Fox Business Network, figura do movimento nacionalista conservador e conselheiro informal de Donald Trump, disse no Twitter que a caravana de imigrantes da América Central é "um exército de estrangeiros ilegais em marcha sobre a América".
"Manifestação pública"
Mas, num comunicado conjunto dos ministérios da Administração Interna e dos Negócios Estrangeiros, o Governo mexicano sublinhou que as autoridades norte-americanas estavam ao corrente da situação, "tal como nos anos anteriores".
"Desde o dia 25 de Março, o Governo mexicano, através do Ministério da Administração Interna, manteve sempre informado o Governo dos EUA sobre o andamento da caravana, através da embaixada deste país na Cidade do México", lê-se no comunicado, publicado na noite de segunda-feira.
No mesmo documento, e sem nunca se referir directamente às acusações do Presidente norte-americano, o Governo mexicano diz que "não promove a imigração irregular em nenhuma circunstância", e que a caravana em causa é "uma manifestação pública que tenta chamar a atenção para o fenómeno migratório e a importância do respeito pelos direitos dos imigrantes da América Central que, em muitos casos, se vêem obrigados a deixar os seus lugares de origem em busca de melhores oportunidades, ou com a intenção de obter protecção internacional através da figura do 'refúgio'".
Estas caravanas surgiram em 2010, ano em que foram encontrados 72 corpos de imigrantes da América Central e da América do Sul numa vala comum no estado de Tamaulipas, a poucos quilómetros da fronteira com o Texas. Três imigrantes que sobreviveram contaram que os companheiros foram torturados e executados com um tiro na nuca por não terem dinheiro para pagar os resgates e depois de ser terem recusado a trabalhar para o cartel Los Zetas.
Vistos e deportações
A maior parte dos mais de mil imigrantes das Honduras, El Salvador e Guatemala que começaram a viagem no Sul do México na semana passada estão agora parados em Oaxaca, a mais de 350 quilómetros da Cidade do México e a pelo menos mil quilómetros da fronteira com os EUA. As autoridades mexicanas dizem que vão conceder vistos por razões humanitárias a uma parte desse grupo, principalmente mulheres e crianças, e que outros terão de abandonar o país em dez dias ou candidatar-se a um visto para ficarem no México um mês.
Outros – talvez duas centenas, segundo a Associated Press – separaram-se da caravana no domingo e saltaram para o comboio de mercadorias conhecido como La Bestia (a besta), ou comboio da morte, com o objectivo de chegarem à fronteira entre o México e os Estados Unidos.
As autoridades mexicanas reforçaram o controlo e a deportação de imigrantes sem documentos em 2014, após pressões da Administração Obama – por essa altura, dezenas de milhares de crianças, a maioria da América Central, tinham chegado aos EUA sem acompanhantes.
Desde então, a linha do comboio La Bestia, que transportava anualmente centenas de milhares de pessoas em direcção ao Norte do México em condições deploráveis, é gerido por uma empresa privada que, entre outras medidas, construiu muros de betão em alguns sectores da linha para dificultar as subidas e descidas, o que já provocou alguns acidentes fatais. As organizações humanitárias dizem que a diminuição das entradas e o aumento das deportações no México resultam, em parte, da violência exercida pelas autoridades mexicanas.
Nos três anos entre 2014 e 2017, o México deportou mais de 420 mil cidadãos de países da América Central, num total de quase um milhão desde 2008. Só entre Janeiro e Fevereiro deste ano foram deportadas 16.278 pessoas, de acordo com um relatório do Governo mexicano.