Começa a ser moda fazer e ter perfumes made in Portugal. Os joalheiros querem, os designers também, as grandes marcas e até pessoas em nome individual desejam um perfume em nome próprio. Além dos perfumistas que desenvolvem os perfumes existem também fábricas que os produzem. A primeira em Portugal surgiu no século XIX, mas dois séculos depois há, pelo menos, uma fábrica que as marcas de luxo estrangeiras procuram porque produz em grande escala.
A Nortempresa Perfume LAB abriu em Braga, em 2016, num investimento superior a dois milhões de euros e consegue produzir mais de 20 mil perfumes por dia. Durante anos, a empresa tinha a sua própria marca de perfumes, a Ydentik, que era feita no exterior, até que um dia, Daniel Vilaça, proprietário da empresa pensou: “Por que não fazê-los eu?” Para isso era preciso ter maquinaria moderna, linhas automáticas de enchimento e embalamento. Da ideia à concretização do projecto foi um instante. “Abri a primeira fábrica de perfumes, em Portugal, com total especialização na produção, com a mais alta tecnologia. Não havia nada assim”, orgulha-se. A empresa tem 14 postos de trabalho e no final de 2017 facturou cerca um milhão e meio de euros.
Antes de Daniel Vilaça já havia outras fábricas, laboratórios e perfumistas a trabalhar em Portugal. Afonso Oliveira, coleccionador de miniaturas e de frascos de perfumes, fez uma pesquisa por conta própria. Encontrou três dezenas de fábricas nacionais. Muitas delas fecharam há anos. “A primeira fábrica de perfumes em Portugal, a Phomaz e Mendonça e Filhos, Lda, surgiu no ano de 1850, em Lisboa”, conta ao P2. Também pesquisou sobre a Ach. Brito, fundada em 1887 com o nome Claus & Schweder, no Porto, pelos alemães Ferdinand Claus e Georges Schweder. Passou, anos depois, para as mãos do português Achilles Brito, com a designação Ach. Brito. Tem o bisneto Aquiles de Brito à frente da empresa. Pelo 130.º aniversário da marca, em 2017, o empresário lançou o Le Parfum. A perfumista inglesa Lyn Harris criou uma fragrância unissexo inspirada em Portugal.
Anos depois da Ach. Brito, corria o ano de 1894, nasce a Confiança, em 1894, em Braga. Tornou-se uma referência na saboaria e perfumaria. Dos sabonetes, às pastas dentífricas, estiques para a barba, também havia lugar para as águas-de-colónia, loções e essências. E continua de portas abertas.
Já em 1999 abriu a Castelbel que, na área da perfumaria tem no mercado as Eau de Toillette em vaporizador, dotada de uma fragrância exclusiva desenvolvida pelos perfumistas François Robert e Mireille Picard. Actualmente, a fábrica tem várias colecções de perfumes de uso corporal nas suas marcas Castelbel e Portus Cale. Saem da unidade de Castêlo da Maia, onde também se fabricam produtos perfumados de luxo para a casa e corpo, desde sabonetes, loção corporal, gel de duche, velas, saquetas, papéis perfumados e vaporizadores de fragrâncias, não só para Portugal como para exportação.
No mesmo ano, em Coruche, surge a Laverde que fabrica produtos de cosmética e higiene corporal para outras empresas e marcas do país e do estrangeiro. “Fabricamos para muitas marcas, mas não as podemos divulgar”, diz Nicole Carocha, directora técnica e filha do proprietário, pois aquelas pedem o anonimato. A empresa exporta para a Alemanha, Suíça e França, desde perfumes e águas-de-colónia para uso corporal a ambientadores e difusores para a casa. Também fabrica champôs, sabonetes líquidos e cremes solares. A Laverde está a crescer e, dentro de meio ano, os 33 funcionários vão mudar-se para uma nova unidade fabril com seis mil metros quadrados, num investimento de três milhões de euros, anuncia a responsável.
Perfumes à medida
Desde o ano da criação da fábrica de Coruche, muito mudou no panorama nacional. Em 2004, as engenheiras químicas Vera Mata e Paula Gomes criam a empresa I-Sensis - Investigação e Desenvolvimento em Engenharia Química, Lda. “Não havia nada assim, nessa altura em Portugal”, recorda Vera Mata que entretanto saiu da I-Sensis e abriu, em 2014, a empresa de produtos perfumados e aromatização Ownya, para trabalhar com o mercado internacional. Agora já não desenvolve perfumes para uso pessoal como então fez na I-Sensis; por estes dias, cria perfumes e ambientadores em spray para casa e velas. Regressando ao ano 2004, a empresa surgia para a formulação de perfumes inovadores e exclusivos à medida do cliente. “Notámos que havia uma oportunidade de negócio na parte da composição dos produtos perfumados”, acrescenta a então sócia e actual proprietária, Paula Gomes, em conjunto com o director comercial Eduardo Oliveira. Mais, prossegue, “o cliente não queria apenas o perfume, mas sim o produto chave-na-mão, desde o desenvolvimento do frasco até ao design da embalagem”. Foi o que fizeram.
Depois, o ano de 2008 foi marcante. “A cadeia de lojas de crianças Knot procura-nos para aromatizar a loja e, dois anos depois, criámos o perfume da marca”, conta Vera Mata. Começava aqui uma nova tendência no mercado. “Era um prestígio as marcas e lojas terem um perfume seu.” Cada vez mais empresas começam a comprar fragrâncias em Espanha e Itália, só que não eram originais. Foi aqui que a I-Sensis encontrou um espaço no mercado onde poderia vingar: criar fragrâncias à medida do cliente. Surge o Amor-Perfeito para mulher e outro para homem do estilista José António Tenente que foi desenvolvido por Luís Pereira, da 100 ml. Paula Gomes lembra-se bem dessa altura: “Foi um grande desafio. Tínhamos de traduzir o perfume do amor-perfeito.” Tinham de concretizar em aromas uma ideia abstracta que o cliente lhes levava.
Seguiram-se as marcas de roupa de criança Laranjinha e a Metro Kids. “O grande boom foi em 2009 e 2010 com as marcas de retalho a quererem ter perfumes de marca própria, como a Women Secret”, recorda Vera Mata.
Estava lançado o caminho para as marcas de luxo da joalharia, vestuário e calçado terem perfumes de marca própria. Queriam um produto que contasse histórias através do olfacto, que levasse as pessoas a viajar pelo mundo dos aromas. Como o joalheiro Eugénio Campos que encomendou o Gold Stone (para homem) e Gold Rose (para mulher); as marcas de roupa Decenio e de calçado Seaside; além do Sporting Clube de Braga – todos foram produzidos na Nortempresa de Daniel Vilaça. O empresário tem ainda na sua carteira de clientes a Bacardi, a Claus Porto e a Papillon London Cosmetics. Recentemente desenvolveu o perfume unissexo, com notas florais e frutadas, para o Instituto Politécnico de Beja.
Uma narrativa olfactiva
O principal negócio de Eugénio Campos é a joalharia, mas, pela comemoração dos 30 anos da marca, resolveu apostar na criação de “uma jóia em estado líquido”. Rita Carvalho, consultora na área da perfumaria, acompanhou todo o processo da criação do perfume e fabrico. O joalheiro queria um perfume 100% made in Portugal. “Um perfume é um acessório como uma jóia. Pode fazer a mulher sentir-se mais encantadora, romântica, sedutora e levantar-lhe a auto-estima”, descreve Rita Carvalho. “Mexe com as nossas emoções. É quase como um compositor olfactivo”. Ainda que, elucida, entre risos, “Napoleão tomava banho de perfume: usava 43 litros de água-de-colónia”.
Já Lourenço Lucena, “compositor de perfumes” como se descreve, acredita que “a perfumaria é a arte de contar uma narrativa olfactiva”. Da mesma forma que um escritor cria uma narrativa com personagens, no perfume são as matérias-primas que contam uma história. “O perfume tem o lado mágico e prático de assegurar que, no final, haja harmonia entre as personagens”, diz o especialista, membro da Sociedade Francesa de Perfumistas.
Lourenço Lucena é diplomado em Composição de Perfumes pela Cinquième Sens, em Paris. Nunca foi prioridade criar um perfume seu, mas acabou por fazê-lo depois de lhe lançarem o desafio. Primeiro criou o perfume unissexo Casa comigo Lisboa, inspirado no Tejo, nos manjericos, no limão e nos pastéis de nata para a marca Noivas de Santo António. Depois desenvolveu perfumes para as empresas Carris, EDP e Hotéis Tivoli. Só então decidiu ter um com a sua marca: durante oito meses desenvolveu o perfume Acqua di Portokáli que lançou em Junho de 2017, “em homenagem a uma fórmula clássica da história da perfumaria, a água de Portugal, dando-lhe a sofisticação e modernidade necessárias, num eau de parfum”.
Primeiro desenvolveu-o no seu laboratório e depois fabricou-o na I-Sensis Perfume Design. “Agora, que fiquei com o bichinho, irei lançar outro antes do Verão que será cítrico”, informa. Entretanto cria perfumes pessoais a partir do perfil psico-social-olfactivo do cliente. “É um trabalho demorado, entre quatro a seis meses, e não é propriamente barato”, admite. Também cria um perfil olfactivo para quem não sabe que perfume usar. Consegue determinar o que melhor se ajusta a cada pessoa. “Se há 20 ou 30 anos tínhamos três dezenas de perfumes, de homem e outros tantos de mulher, agora temos centenas, o que baralha o consumidor na hora de se decidir”, refere. Assim, o perfumista desenha o perfil da pessoa, para poder escolher o perfume, em função das respostas a um inquérito onde pergunta quais os perfumes que usou e mais o marcaram, a música que gosta de ouvir, as viagens que gosta de fazer, o que o transporta para a felicidade e o que o descansa.
A criação da fórmula
O perfumista tem de ter alguns cuidados como o nariz desentupido, conseguir memorizar centenas de matérias-primas “que é o garante no momento em que quer criar uma determinada formulação das quantidades que vai utilizar”. No momento em que está a escrever a fórmula do perfume, primeiro pensa que história quer contar – “é o que me permite identificar um conjunto de matérias-primas (os óleos essenciais, soluções aquosas ou etílicas)”. São estas as personagens da história olfactiva.
Depois num bloco de notas ou no computador, Lourenço Lucena faz a identificação de cada uma das matérias-primas que vai utilizar e imagina as quantidades para cada uma delas. “Faço a fórmula, passando depois à composição física do perfume que é a junção das matérias-primas nas quantidades definidas.” O passo seguinte é cheirar. “Jamais se chega à primeira ao perfume. É um trabalho muito de tentativa e erro. Cheiro a composição e vou refazendo a formula até corresponder à história que quero contar”, elucida. Apresenta depois ao cliente e a fórmula segue para laboratório que estuda a sua composição e assegura que o perfume cumpriu as regras.
À entrada da I-Sensis Perfume Design, em Vila Nova de Gaia, há um intenso cheiro perfumado. É também aqui que Luís Pereira, dono da empresa 100 ml, produziu os seus perfumes Ribeira do Porto e o Chiado. Inspira-se sempre nos bairros e barbearias portuguesas. “Na I-Sensis mostraram uma folha de tabaco que serviu de base para o perfume Chiado”, recorda. Este ingrediente tinha tudo o que queria: elegância, sensualidade e era masculino. Com 20 anos a trabalhar na área de alta perfumaria, Luís Pereira chegou a participar, numa outra empresa, na criação do perfume Morangos com Açúcar e no perfume da comemoração dos 100 anos do Benfica.
Laboratório apetrechado em Braga
“É no laboratório da Nortempresa Perfume que se desenvolvem novos produtos, formulações, se fazem testes às matérias-primas, como as essências e óleos guardados nos frasquinhos de vidro, que fazem parte dos perfumes e dos ambientadores. É desta sala, onde realça à vista o olfatómetro e o cromatógrafo – permite separar os compostos –, que se segue para um outro espaço de grande dimensão onde está instalada a linha de produção de grande escala e a mais moderna maquinaria. Aqui só se entra com bata, touca, luvas e calçado próprio. Sempre que acaba uma produção, esta sala é desinfectada”, descreve Daniel Vilaça.
Num outro espaço fazem-se a mistura dos perfumes, com “os lotes de perfumes, por norma de 300 litros, apesar de a fábrica ter capacidade para 1200 litros de cada vez”. É um sistema automático com maquinaria, e por ali há cubas de produção que fazem lembrar o processo do vinho. “Também o perfume fica em estágio dentro destas cubas de inox, durante 45 a 60 dias, nesta sala que está a menos de 10 graus de temperatura”, conta. Depois, o perfume é introduzido nas máquinas de enchimento que atestam 20 mil produtos por dia.
É aqui que também produz a sua marca, a Ydentik - Perfume Bar Concept que surgiu em 2013 depois de Daniel Vilaça se ter inspirado no conceito de bar. “Vi um senhor a servir uma bebida com os doseadores das garrafas ao contrário e pensei: Por que não faço uma perfumaria com conceito de bar?”, recorda. As semelhanças são muitas, o cliente faz um cocktail de perfume até três ingredientes. “Sei o que estou a comprar porque está descrito no menu como se fosse um bar. Imagine que gosta de um floral mas pode querer um toque mais amadeirado e aí adicionamos", explica o empresário que abriu a primeira loja em 2013, em Braga. Depois foi sempre a crescer com apenas um espaço comercial da marca e os restantes 51 abertos em sistema de franchising, em Portugal, Espanha, França, Irlanda, Suíça, México e Tunísia. "Estamos a crescer mais em França", acrescenta.
“O perfume já foi visto como um bem luxo. Hoje democratizou-se”, diz a consultora de perfumes Rita Carvalho. É um produto que está ao alcance de todos. “É um acessório de moda que não o uso. Mas sinto-o através do olfacto”, exemplifica. “Estamos mais sensibilizados para usarmos o nariz”, diz por seu lado Lourenço Lucena. “Basta estarmos com a 'lente' olfactiva ligada, despertar para a dimensão olfactiva e o nosso no dia-a-dia ganha logo outra magia”, termina.