Euribor negativa vai dar crédito para descontar nos juros da casa
Proposta do PS adia esforço dos bancos no pagamento de capital dos empréstimos com juros negativos.
Os bancos terão mesmo de pagar capital nos empréstimos da casa a uma parte dos clientes. O PS está disponível para viabilizar a proposta do Bloco de Esquerda (BE), “congelada” há mais de dois anos, que pretende obrigar os bancos a reflectir integralmente a Euribor negativa nos empréstimos à habitação.
Embora mantendo o espírito da proposta do BE, o PS introduziu uma alteração que garante aos clientes o desconto da Euribor negativa, mas permite aos bancos adiar esse impacto para quando as taxas Euribor entrarem em valores positivos, apurou o PÚBLICO. Na prática, o PS cria uma espécie de crédito de juros, que será abatido quando os juros subirem, evitando que os bancos tivessem agora de pagar uma pequena parte dos empréstimos. Os termos concretos em que vai ser feito o desconto do crédito ainda estão em negociação.
A alteração legislativa, que se aplicará a todos os contratos em vigor, vai beneficiar os clientes que têm contratos associados à Euribor a três e seis meses e spreads (margem comercial do banco somada à Euribor) entre 0,25% e 0,30%. Neste momento, estes clientes, que poderão ser já um número considerável, não pagam juros, amortizando apenas capital.
O benefício para os clientes depende da rapidez com que a proposta de lei for aprovada e a sua entrada em vigor, bem como de algumas normas que ainda estão em discussão, como é o caso de poder vir a ser considerado o tempo já decorrido durante o qual os bancos apenas reflectiram a Euribor negativa até à anulação do spread, parando quando esse desconto chegou ao zero.
As taxas Euribor estão negativas há cerca de três anos – em Fevereiro, a de três meses estava em -0,328%, a de seis meses a 0,274% e a de 12 meses a 0,191% – e é expectável que se mantenham, com pequenas variações, nos mesmos valores até ao final do ano. O próximo ano deverá trazer uma subida, mas é impossível antecipar o seu ritmo, que vai depender em muito de decisões a tomar pelo Banco Central Europeu.
Mariana Mortágua, deputada do BE, admitiu ao PÚBLICO que a proposta que resulta do acordo com o PS, que viabiliza a sua aprovação, “não é a ideal, mas é a possível, e não deixa de ser positiva para os clientes". O PCP também apresentou uma proposta, que complementa a do Bloco ao proibir alterações unilaterais das taxas de juro e de outras condições contratuais, e também deverá viabilizar o projecto final.
A deputada recorda que a proposta do BE só se tornou necessária porque o Banco de Portugal (BdP) recuou face à sua posição inicial de reflexo da Euribor negativa nos empréstimos existentes. E lembra ainda que, quando as taxas Euribor dispararam, ultrapassando os 5%, o que deixou muitas famílias sem capacidade para pagar os empréstimos, o BdP não limitou esses valores.
Recorde-se que, inicialmente, e através de Carta Circular, de Março de 2015, o Banco de Portugal assumiu que o valor negativo da Euribor teria de ser reflectido na taxa de juro do contrato (Euribor + spread), mas depois acabou por aceitar a interpretação dos bancos, de que esse desconto só seria feito até anular o spread.
Ouvido no Parlamento, em Abril de 2016, o governador do BdP defendeu que um empréstimo não pode ter uma taxa negativa, devendo considerar-se, no limite, a taxa de zero, e que nos novos contratos deveria ser salvaguardada sempre a cobrança de pelo menos o valor do spread. Carlos Costa, que admitiu que nunca pensou que a Euribor atingisse valores tão negativos, garantia há dois anos que impacto do reflexo integral da taxa na margem financeira dos bancos seria muito elevado, estimando-o em 700 milhões de euros anuais.
As audições seguintes, nomeadamente da APB, associação que representa os bancos, também foram de clara oposição ao avanço da proposta do BE. No ar ficou mesmo a ideia de que os bancos poderiam procurar receitas alternativas, nomeadamente na cobrança de um determinado valor pela guarda de dinheiro à ordem, o que é proibido em Portugal, mas é praticado noutros países.
Em face da pressão negativa do sector, o PS, que desde o primeiro momento tinha manifestado apoio à proposta do Bloco, embora admitisse alterações, deixou o projecto na gaveta. A alteração que vier a ser aprovada não tem qualquer impacto nos empréstimos com spreads mais altos, como os contratados nos últimos quatro anos, em que as margens aplicadas visam compensar a queda do indexante.