Há robôs que ajudam peixes “a falar” com abelhas
Equipa de investigadores portugueses participou num projecto internacional que conseguiu, pela primeira vez, uma interacção entre duas espécies de animais usando minirrobôs como tradutores e intermediários.
De um lado, um aquário povoado de normais peixes-zebra e um intruso: um “boneco” igual aos outros animais suspenso no topo de uma haste, ligado a um minirrobô que está fora de água. Do outro lado, uma caixa com jovens abelhas e outro intruso: desta vez, uma abelha imóvel, que é um minirrobô que emite calor, sopros de ar frio, vibrações e ondas electromagnéticas. O objectivo deste plano, aparentemente estranho, é contribuir para a exploração de um “sistema bio-híbrido” com uma sociedade robótica capaz de “comunicar” com sociedades animais. Para já, os cientistas demonstraram que é possível observar uma decisão binária conjunta entre abelhas e peixes, intermediados por robôs.
Desde 2013 que uma equipa internacional de investigadores, que é coordenada por Thomas Scmickl, do Laboratório de Vida Artificial em Graz, na Áustria, e que reúne grupos na Croácia, França, Alemanha, Suíça e Portugal, trabalha no projecto financiado pela União Europeia que propôs desenvolver robôs que “aprendessem” a linguagem dos animais. O projecto chama-se ASSISIbf (Animal and Robot Societies Self Organise and Integrate by Social Interaction (Bees and Fish), o que, traduzindo, significa a criação de sociedades animais e robóticas organizadas e integradas por interacção social através de abelhas e peixes.
Agora, quando faltam pouco mais de três meses para o projecto chegar oficialmente ao fim, percebe-se que foram ainda mais longe. Conseguiram que espécies de animais diferentes em ambientes diferentes interagissem uma com a outra, usando minirrobôs como tradutores e intermediários do seu comportamento (ou “linguagem”). Através de minirrobôs foi possível, por exemplo, “convencer” os peixes a mudar de direcção num corredor do aquário e levar as abelhas a juntarem-se numa esquina da caixa.
O objectivo desta nova tecnologia é “lançar novas bases sobre o modo como os seres humanos podem intervir nas sociedades animais para gerir, por exemplo, o meio ambiente”. Dito de uma forma mais clara (mas que ainda só existe no campo das possibilidades), podemos imaginar que, no futuro, esta tecnologia será útil para monitorizar o estado dos animais (colmeias, por exemplo) sem necessidade da presença humana. Este conhecimento pode também vir a ter um impacto na agricultura, no pastoreio, gestão das espécies vivas e protecção ambiental.
Entre cardumes e enxames
O projecto foi apresentado no âmbito de um programa chamado “Fundamentos de Sistemas Colectivos Adaptativos” e é apoiado por um consórcio com seis parceiros, liderado pela Universidade de Graz. Em Portugal, a equipa responsável pelo projecto trabalha no Instituto de Biossistemas e Ciências Integrativas (BioISI) — um centro de investigação na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. O objectivo era “interligar populações de animais significativamente diferentes e, para o caso, escolhemos abelhas juvenis e peixes-zebra precisamente para evitar qualquer tipo de contaminação de sinais que pudesse surgir”, explica Luís Correia, investigador que lidera a equipa em Portugal. Entre outros possíveis ruídos, a escolha de animais em ambientes diferentes quis evitar os riscos de uma “comunicação” que escapasse à monitorização dos especialistas. “Por exemplo, se escolhêssemos pássaros e insectos, podia haver comunicação de ultra-sons, odores ou outra coisa qualquer que fosse difícil de detectar e que podia influenciar os animais”, nota o cientista.
O objectivo seguinte era conseguir “pô-los a comunicar e cooperar através de populações de robôs”, ou seja, formar um outro tipo de “sistema colectivo”. Os investigadores ainda estão a analisar os resultados deste trabalho, que soma cinco anos de experiências.
Entre outras descobertas e vitórias, os investigadores conseguiram colocar os peixes a comunicar com as abelhas. “Começámos por tentar integrar robôs com as populações de abelhas e com as populações de peixes. E isso demorou algum tempo — precisávamos, por exemplo, de medir a influência que tínhamos nos animais”, refere Luís Correia. “Queríamos que os robôs fossem bem aceites por eles, não queríamos que os machucassem ou sequer se assustassem com eles”, especifica. Foi essa uma das razões que levou, por exemplo, a algumas adaptações do “boneco” do peixe-zebra que ao longo deste projecto viu o seu tamanho reduzido e também sofreu alguns aperfeiçoamentos estéticos, como a pintura de estrias no corpo.
Algoritmos evolutivos
No caso dos peixes, o robô tem duas partes: uma que fica por baixo do aquário e que tem dois ímanes que estão próximos do vidro e outra que fica por dentro do aquário e que também tem dois ímanes. A parte que está dentro de água é uma haste com um pequeno modelo de um peixe no topo, mas todo o movimento é controlado pelo robô que está fora do aquário.
Já os robôs-abelhas são estáticos. “Não têm locomoção, mas têm actuação, vibram, aquecem, arrefecem e expelem ar para evitar que as abelhas se agreguem à volta destes dispositivos, e têm um sensor de infravermelhos que recebe e emite sinais.” Na experiência os cientistas quiseram usar abelhas jovens, porque estas, embora se movimentem, ainda são incapazes de voar.
Assim, antes de colocar os peixes a “falar” com as abelhas através dos robôs, foi preciso demonstrar que os robôs se integravam no cardume ou no enxame e eram capazes de interagir com os seus “semelhantes” vivos. O sucesso desse primeiro capítulo do projecto foi apresentado na Áustria em Setembro de 2016. “Mostrámos os peixes a interagir com os robôs [em forma de peixe]. Também conseguimos fazer algumas exibições de abelhas a fomentar o movimento dos peixes e os peixes a fomentarem o movimento das abelhas”, diz. Esta comunicação fez, por exemplo, com que as abelhas estimulassem os peixes a mudar de sentido e com que os peixes conseguissem estimular as abelhas a aproximar-se de um ou de outro robô estático. Tudo isto, recorde-se, numa troca de informações — uma “conversa”, se assim lhe quisermos chamar — mediada por robôs.
Além desta comunicação entre espécies, os cientistas também queriam conseguir mostrar que o robô estava de tal forma integrado na respectiva população que era possível que os animais induzissem os robôs a um determinado tipo de comportamento. No caso das abelhas, por exemplo, foram realizadas experiências com dois dispositivos entre uma dezena de abelhas que mostraram que os robôs, ao detectar as abelhas na proximidade com os seus sensores, eram estimulados a aquecerem-se. E, no aquário, tentou-se que os robôs seguissem os pequenos cardumes (com meia dúzia de peixes) e que fossem os dispositivos a iniciar o movimento do cardume. De certa forma, quer num caso quer no outro, estes robôs “aprenderam” a ser um peixe-zebra ou uma abelha.
Cada equipa envolvida no projecto dedicou-se com mais profundidade a uma área específica, uns trabalhavam mais com os peixes, outros com as abelhas, outros com os robôs. O grupo português dedicou-se à parte de modulação e simulação dos robôs e das abelhas. Um dos problemas que teve de resolver foi as diferenças no tempo e ritmo nos movimentos normais destas espécies.
Um dos objectivos do projecto é conseguir que esta comunicação entre espécies e com robôs como intermediários e “actores” aconteça à distância. Mais recentemente, os cientistas também testaram com as abelhas a aplicação de algoritmos evolutivos de inspiração biológica, para fazer evoluir o comportamento dos robôs e torná-lo mais eficaz na interacção com os animais. “Os resultados não foram ainda suficientemente satisfatórios e conclusivos, mas deram algumas pistas sobre a aplicação destes algoritmos, tendo sido a primeira vez que isto foi feito em robôs que interagiam com animais e eram os animais que lhes davam informação sobre a qualidade do comportamento”, diz Luís Correia.
Sobre o momento em que foi possível observar os peixes a comunicar com as abelhas, através dos robôs, Luís Correia refere: “[Foi possível cumprir um dos objectivos do projecto que pretendia que os animais] pudessem chegar a acordo e resolver em conjunto problemas com alguma complexidade, criado por nós, humanos.” E, assim, foi possível ver os peixes-zebra e as abelhas “a falar”. “No fundo, a ideia deste projecto é termos robôs que se integram com as populações animais como se fossem um deles, ou seja, termos o que chamamos sociedades bio-híbridas”, resume.
Para que é que esta brincadeira com animais a falar através (e com) robôs pode servir? “Uma das aplicações será no pastoreio. Termos a possibilidade de ter robôs que possam influenciar os animais de pastoreio sem que seja necessário ter lá o pastor com o cão. Outra possibilidade é termos uma percepção remota do estado dos animais, por exemplo, no que se passa em colmeias”, refere o investigador.
A porta a novas experiências está aberta. E abre-se em diferentes direcções. Luís Correia mostra-se ainda mais entusiasmado com a “ousada” possibilidade de explorar o conhecimento adquirido em “populações que pudessem ajudar a resolver problemas complexos”. Mais um exemplo neste arriscado exercício de prever o futuro destas experiências ainda no domínio da ciência fundamental: “Seria interessante miniaturizar os robôs ao ponto de conseguirem interagir com bactérias e influenciá-las para resolver um problema complexo qualquer. Mas isto é muito especulativo. Quando um homem se põe a pensar, parece não haver limites.”
Texto corrigido às 14h15 de 24/03/2018: o nome do investigador é Luís Correia e não Luís Reis.