Artistas e actores passam da comoção à reivindicação

Associações, estruturas e intérpretes contestam o novo modelo de subsídios e os atrasos nos concursos. E há quem acuse o Estado de se “disfarçar” de privado para se autofinanciar.

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Rios de Sonho, uma produção do Circolando Paulo Pimenta

O anúncio, há uma semana, das decisões do júri do programa de apoio sustentado às artes para o quadriénio 2018-21, na área dos Cruzamentos Disciplinares, motivou a estupefacção de parte das 15 estruturas que, apesar de verem as suas candidaturas aceites, foram excluídas no mapa dos subsídios. E o movimento de protesto estendeu-se pelos dias seguintes, com reacções e comunicados de companhias, associações e também actores. Mas, ressalvando a possibilidade legal de os visados contestarem as decisões do júri da Direcção-Geral das Artes (DGArtes) – o que poderão fazer até 27 de Março –, o programa de acção parece ser agora a reivindicação, junto da Secretaria de Estado da Cultura (SEC) e do Governo, do reforço das verbas para o sector.

“O que aconteceu até agora não é uma inevitabilidade, e as coisas podem ser mudadas, mas, para isso, é preciso ultrapassar este momento de comoção e exigir mais”, diz ao PÚBLICO Carlos Costa, membro da direcção da Plateia, associação que representa uma centena de artistas de todo o país. Este actor e fundador da companhia Visões Úteis responsabiliza a maioria de esquerda que sustenta o actual Governo pela aprovação de “um orçamento com um valor irrisório para a Cultura” e que é idêntico ao do anterior Governo PSD/CDS-PP. “Este é o momento certo para corrigir esta suborçamentação e regressar aos valores de 2009”, acrescenta Carlos Costa.

Uma leitura dos mapas que discriminam os apoios para o período 2018-21 permite ver que das 47 candidaturas apresentadas de várias regiões do país (apenas a Madeira ficou de fora), 11 foram consideradas não elegíveis, e, das restantes, foram decididos apoios a 21 – para as quais a DGArtes disponibilizou 12 milhões de euros distribuídos pelo quadriénio.

Entre as estruturas excluídas estão marcas como a Circolando (Porto) e a Circular (Vila do Conde), as primeiras a manifestarem-se “estupefactas” com a decisão da DGArtes. Mas estão também o CEM – centro em movimento (Lisboa), a Real Pelágio (Santarém), a Casa da Esquina (Coimbra), a Saco Azul – Maus Hábitos (Porto), a Cão Danado (Braga), o CAAA – Centro para os Assuntos da Arte e Arquitectura (Guimarães).

Em comunicado, o CEM diz que a exclusão decidida pela DGArtes relativamente a uma associação que existe há 30 anos e vem recebendo apoios do Estado desde há mais de uma década “coloca em causa a continuidade de uma reconhecida estrutura de trabalho de fundo que se inscreve na raiz da tessitura artística contemporânea portuguesa”.

Também a Saco Azul vê em risco a possibilidade de continuar a actividade interdisciplinar que vem desenvolvendo, desde há 17 anos, no espaço portuense Maus Hábitos, lembrando que desde 2008 tem sido subsidiada, nomeadamente no âmbito dos apoios tripartidos. “Vamos certamente ter de acabar com a nossa vocação, num momento em que a vida do Porto precisa violentamente da sua comunidade artística a trabalhar para fazer face à pressão turística”, lamenta Daniel Pires, da direcção desta estrutura.

Estado disfarçado de privado

Tanto o CEM como a Plateia contestam o actual modelo dos concursos de apoio, que “tende a sufocar algumas das mais importantes estruturas independentes de trabalho continuado ligado às artes experimentais e ao pensamento”, refere o centro em movimento.

Numa carta aberta endereçada ao primeiro-ministro, ao ministro da Cultura e ao secretário de Estado da Cultura, a Plateia acusa também o novo modelo de se tornar “gato por lebre”, por beneficiar claramente “as grandes estruturas com equipas capazes de corresponderem às exigências de candidatura a que as entidades mais pequenas têm dificuldade em corresponder”.

No mapa dos apoios, as estruturas contempladas com as verbas mais elevadas são o Centro de Artes do Espectáculo de Viseu, ligado ao Teatro Viriato, a associação O Espaço do Tempo, em Montemor-o-Novo, e a Oficina – Centro de Artes e Mesteres Tradicionais de Guimarães, ligado ao Centro Cultural Vila Flor. Cada uma destas estruturas irá receber mais de um milhão de euros nos quatro anos, e o conjunto das três arrecadará perto de um quarto dos 12 milhões disponíveis para a totalidade do país.

Carlos Costa reclama que as estruturas mais financiadas – e cita particularmente o caso do Centro de Artes de Viseu e da Oficina de Guimarães – “só aparentemente são privadas: são o Estado disfarçado de privado, a financiar-se a si próprio”. E vê aqui “uma concorrência desleal” em desfavor das estruturas verdadeiramente privadas e independentes.

Contactada pelo PÚBLICO, a direcção da Rede – Associação de Estruturas para a Dança Contemporânea disse estar ainda a estudar a situação e reserva uma posição pública para breve.

Quem já começou também a reagir foi a comunidade dos actores, que aderiu em número assinalável a uma carta aberta lançada pela actriz Inês Pereira – que actualmente integra o elenco do espectáculo de Mónica Calle, Ensaio para uma Cartografia, que vai ser reposto no Teatro Nacional D. Maria II no dia 11 de Abril – sob o título Actores indignados (A propósito dos atrasos na avaliação dos apoios às artes da DGArtes).

“Somos actores, fazemos teatro, rádio, locuções, televisão, cinema (…). A situação de subcontratação em que quase todos nós nos encontramos é insustentável. Dependemos de pequenas estruturas de produção com quem gostamos de trabalhar, mas que nos últimos anos têm vindo a ser insistentemente subalternizadas”, queixam-se os actores nesta carta que, a meio da tarde desta segunda-feira, tinha já reunido perto de três centenas de assinaturas. Entre elas encontravam-se as de nomes como Albano Jerónimo, Beatriz Batarda, Cucha Cavalheiro, José Raposo, Lia Gama, Manuel Wiborg, Maria João Luís e Nuno Lopes.

Notícia corrigida: a reposição do espectáculo Ensaio para uma Cartografia no Teatro Nacional D. Maria II far-se-á a 11 de Abril e não a 23 de Março.

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