Banksy denuncia prisão de artista turca em mural nova-iorquino
Composto por um conjunto de traços verticais, cortados obliquamente, pretende chamar a atenção para o caso de Zehra Dogan, artista e jornalista turca, de etnia curda, presa por assinar uma pintura que os tribunais turcos consideraram propaganda a terroristas.
Traços verticais alinhados em grupos de quatro, cruzados por um quinto, oblíquo, tal como os rabiscados no cinema por um prisioneiro que mantém assim a noção dos dias em cativeiro. Traços verticais que representam também grades de prisão — não estamos no cinema. Encontramo-los desde esta quinta-feira na esquina da Houston Street e a Bowery, em Nova Iorque. São obra de Banksy, o mais célebre criador de arte urbana dos nossos tempos, foram criados em conjunto o graffiter Borf, e são, como tantas vezes em Banksy, uma denúncia.
“Free Zehra Dogan”, lê-se no canto inferior direito. Mais acima, os traços-grades sobrepõem-se a um rosto, o da artista e jornalista turca condenada em Março de 2017 a dois anos e nove meses de prisão pela autoria de uma pintura criada sobre uma fotografia dos destroços da cidade curda de Nusaybin, após confrontos, em 2015, entre o exército turco e militantes curdos (cada traço no mural representa um dia da pena a cumprir). Na pintura de Dogan, divulgada nas suas contas de redes sociais, veículos militares ganhavam patas e ferrões de escorpião e a bandeira turca surgia pintada na fachada de edifícios semi-destruídos.
O quadro foi reproduzido em grandes dimensões sobre a pintura mural de Bansky, acompanhado da inscrição: “Sentenciada a dois anos, nove meses e 22 meses na prisão por pintar esta fotografia”. “Sinto muito por ela. Já pintei coisas muito mais susceptíveis de uma pena de prisão”, comentou o artista, cuja identidade se mantém desconhecida, ao New York Times. O mural de 21 metros de comprimento foi revelado esta quinta-feira, na mesma parede nova-iorquina que, no passado, acolheu obras de Keith Harring ou Os Gêmeos.
Zehra Dogan, nascida em 1989, em Diyarbarkir, é uma pintora e jornalista turca de etnia curda. Nascida em Diyarbakir, trabalhava desde 2016 em Nusaybin, cidade próxima da fronteira com a Síria. Jornalista premiada, desenvolvia também trabalho como pintora. A sua obra conjuga retratos da sociedade tradicional curda com activismo político. Enquanto jornalista, trabalhava como editora da Jinha, uma agência noticiosa feminista curda, cuja equipa é inteiramente composta por mulheres. Presa pela primeira vez em Julho de 2016, sob a acusação de fazer propaganda e de ser membro de uma organização terrorista, seria libertada enquanto aguardava julgamento.
Em Março de 2017, chegou a condenação agora denunciada pelo mural de Banksy. A acusação baseou-se num artigo noticioso publicado em 2015, em que citava uma criança de dez anos que participava em protestos contra a operação militar (e que afirmava a convicção de estar do lado certo do conflito), na sua actividade nas redes sociais e, principalmente, na referida pintura criada sobre a foto, tirada pelo exército turco durante o período de recolher obrigatório que se seguiu ao fim do conflito.
“A pintura ultrapassa o criticismo às operações desenvolvidas pelas forças de segurança no sentido de restaurar a ordem pública e é uma propaganda à política de barricadas e trincheiras do PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão)”, lia-se na sentença, especialmente crítica para com a pintura de bandeiras turcas sobre os edifícios em escombros. Estas não foram, porém, inventadas por Dogan. Podem ver-se, pendendo nas fachadas, na foto original tirada pelo exército turco.