Bruxelas obrigada a viver com a instabilidade das eleições nacionais

Juncker avisou que a União Europeia devia preparar-se para o "pior cenário possível" em Itália. A dúvida agora é saber se a reacção ao avanço das forças populistas passa pelo aprofundamento da integração, ou pela moderação das reformas.

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A União Europeia terá de chegar a um difícil consenso sobre o rumo a seguir depois dos resultados das eleições em Itália e noutros países YVES HERMAN/REUTERS

A União Europeia não lida bem com a imprevisibilidade, mas depois do choque do referendo do “Brexit”, e tendo em conta os resultados das eleições mais recentes, da Holanda à Áustria, da França à Alemanha e agora em Itália, parece que vai ter de se habituar. A instabilidade política saída das urnas tornou-se o “novo normal”, e Bruxelas precisa de ajustar a sua operação à dura realidade.

A dificuldade actual é perceber se o avanço das forças populistas anti-sistema e eurocépticas nas sucessivas eleições do continente, e o correspondente enfraquecimento dos partidos tradicionais de centro direita e centro esquerda que se revezaram nos governos durante décadas, é um sintoma ou a razão por detrás do desgaste do projecto europeu — essa é a preocupação daqueles que vêem nesta nova tendência que se consolidou na Europa um “risco sistémico” para a organização e o funcionamento da União Europeia, e particularmente para a estabilidade da zona euro.

Perante estes resultados, torna-se cada vez mais difícil para os líderes e instituições da Europa definir e concordar com o rumo a seguir, isto é, se devem enveredar de forma mais ambiciosa no sentido do aprofundamento da integração, ou se pelo contrário a solução passa por uma moderação do impulso reformista. O dilema é se a UE deve continuar a “carregar no acelerador”, como pretende o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, ou recorrer ao travão, que é o que preferem várias capitais que têm reclamado da censura de Bruxelas às suas próprias reformas.

Na véspera da votação em Itália, Juncker tinha deixado um sinal de alarme, num momento de franqueza em que confessou a sua enorme preocupação com a leitura das sondagens eleitorais que deviam levar a União Europeia a preparar-se para a turbulência do “pior cenário possível” após a contagem dos votos: o da disfuncionalidade política impedir a formação de um governo operacional.

Depois de corrigir a sua declaração, alegando que as suas referências ao chamado “worst case scenario” foram retiradas do contexto, e que acreditava que (qualquer que fosse o resultado) a Itália continuaria a ser “uma peça central” na construção europeia, Juncker não voltou a pronunciar-se. A reacção oficial da Comissão Europeia aos resultados eleitorais de domingo, transmitida pelo porta-voz Margaritis Schinas, foi no mesmo sentido positivo. “Temos confiança nas capacidades do Presidente Sergio Mattarella para negociar a formação de um Governo estável em Itália”, afirmou, lembrando que até esse processo negocial estar fechado, a Comissão continuará a “trabalhar muito de perto” com o actual executivo liderado por Paolo Gentiloni.

Num debate sobre o impacto da votação italiana na política europeia, realizado em Bruxelas, Jannis Emmanouilidis, do European Policy Centre, considerou que “as razões que explicam a ascensão dos partidos populistas são mais profundas do que o falhanço dos sistemas democráticos tanto na União Europeia como a nível nacional”. Mas, acrescentou, o seu sucesso eleitoral mostra o desajuste entre os debates em curso em Bruxelas e a percepção dos eleitores. “Se os governos de Berlim e Paris estão dispostos a assumir a liderança para promover reformas estruturais na União Europeia, estas depois não podem ficar-se por mudanças cosméticas”, aconselhou.

A Itália, terceira maior economia da zona euro, tem um papel crucial na arquitectura europeia: a ascensão das forças populistas, com os seus programas económicos radicais, põe em causa o cumprimento das regras para a disciplina orçamental, limitação do défice e redução da dívida a que o país está comprometido, mas também ameaça travar o ímpeto de reforma estrutural da zona euro sentido pelo país que emergiu da crise e está por concretizar.

À frente do Eurogrupo, o ministro das Finanças português, Mário Centeno, já tem a difícil tarefa de ultrapassar as objecções e a renitência recentemente expressas pelos governos liberais do Norte da Europa, com a Holanda à cabeça, para levar por diante os seus projectos de aprofundamento da união monetária, com a conclusão do processo de união bancária ou a transformação do mecanismo europeu de estabilidade num novo fundo monetário europeu.

As plataformas económicas radicais dos dois movimentos populistas, a sua rejeição dos constrangimentos orçamentais do euro (e, até certo ponto, da manutenção da moeda comum europeia) e a sua falta de respostas para o problema crónico da capitalização do sistema bancário italiano vêm acrescentar mais um elemento de incerteza nas discussões do Eurogrupo, exigindo ainda mais imaginação a Centeno para vencer os obstáculos.

Mas o impacto da revolução populista italiana pode sentir-se ainda mais depressa em matérias não financeiras, em que o entendimento entre os vários Estados-membros da União Europeia também já se provou difícil (se não mesmo impossível). Os planos para responder à crise migratória, nomeadamente através da revisão do acordo de Dublin e da adopção de um sistema de quotas para a redistribuição de candidatos a asilo pelos vários países europeus, devem ser os primeiros a ir por água abaixo. Uma outra prioridade da agenda política em Bruxelas, a da recém-criada Cooperação Estruturada Permanente (Pesco) para a segurança e defesa, fica também seriamente comprometida com a nova maioria populista no Parlamento italiano.

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