Rui Rio é uma excelente prenda para o CDS
Um dia destes Rui Rio vai acordar e descobrir que o PS, afinal, é o menor dos seus problemas.
Toda a gente está entretida a discutir se a estratégia adoptada por Rui Rio é melhor para António Costa ou para o PSD. Como já aqui tentei explicar há mês e meio (num artigo intitulado “Rui Rio ganhou a pensar na derrota de 2019”), a estratégia adoptada parece-me ser a melhor possível para Rui Rio, embora também seja, com boas probabilidades, a pior possível para o PSD. No entanto, há um ponto em que as contas podem sair furadas a Rio, e esse ponto não tem sido analisado com o detalhe que merece. A actual estratégia tem um perigo muito significativo: parte da direita do PSD — nomeadamente a direita liberal, mais ideológica, que esteve com Passos Coelho e que jamais votará em António Costa — pode vir a atirar-se para os braços de Assunção Cristas em Outubro de 2019.
A direita liberal não é suficientemente numerosa para dar uma vitória ao PSD nas próximas eleições legislativas. Nisso estou de acordo com Rui Rio. Mas pode ser suficientemente numerosa para lhe dar uma estrondosa derrota. E se há alguém capaz de agarrar essa oportunidade é Cristas, que faz a ponte entre dois CDS bem distintos: o CDS de matriz democrata-cristã e o CDS de matriz liberal, que de certa forma replicam os dois pólos do PSD — no caso, social-democrata e liberal —, mas com a vantagem de se tratar de um partido mais pequeno, logo mais ágil, e de ter neste momento uma líder absolutamente incontestada após os impressionantes 20% que obteve em Lisboa nas últimas autárquicas.
Sim, Passos Coelho deu a Assunção uma magnífica prenda chamada Teresa Leal Coelho. Mas Rui Rio pode muito bem estar a preparar-se para lhe dar uma prenda ainda maior — ao aproximar-se da esquerda para recuperar os famosos 800 mil votos desaparecidos, o PSD está a desguarnecer a sua direita, e basta Assunção conseguir um resultado na casa dos 14 ou 15% para Rio ficar abaixo de Santana Lopes em 2005. Se isso acontecer, ele poderá passar à história como o coveiro do PSD, porque se o voto é bastante flutuante ao centro, tende a ser tanto menos flutuante quanto mais ideológico for. Serão votos difíceis de recuperar, e o PSD vai levar muitos anos a lamentar tamanho erro.
Assunção é jovem, é empática, é aguerrida. E está a ficar cada vez mais popular. Não tem o brilhantismo de Paulo Portas, mas também não tem o seu cinismo. É tão ambiciosa quanto ele, com a vantagem de ser mais trabalhadora e escutar mais os outros. É católica, mas liberal nos costumes, e até a forma como o seu amigo Adolfo Mesquita Nunes — uma referência para os liberais portugueses pelas suas intervenções mediáticas e pelo seu trabalho como secretário de Estado do Turismo — assumiu publicamente a homossexualidade contribui para reforçar a imagem de um partido capaz de romper com as teias de aranha do passado.
Além disso, a escolha de Fernando Negrão como líder parlamentar tem tudo para se revelar um desastre. Com Rio fora do Parlamento e o PSD grávido de consensos, os debates quinzenais são dos poucos momentos necessariamente confrontacionais entre Governo e oposição. Negrão é mau na retórica e mortiço na postura, como toda a gente sabe e como toda a gente viu. Resultado: levou um baile de Assunção na quarta-feira e desconfio que vai continuar a levar durante os próximos meses — não é por acaso que António Costa se irrita tanto com ela, e só a ela parece tratar como verdadeira oposição. Um dia destes Rui Rio vai acordar e descobrir que o PS, afinal, é o menor dos seus problemas.