Estreia soft de Negrão recebida com frieza na bancada
Passos Coelho, que deixou o Parlamento nesta quarta-feira, recebeu palmas de pé dos deputados do PSD e do CDS. Ferro, Cristas e Costa registaram a sua saída.
Uma estreia e uma despedida. Fernando Negrão, no seu primeiro debate como líder parlamentar do PSD, deu esta quarta-feira um tom de cordialidade à interpelação ao primeiro-ministro e foi recebido com alguma frieza pela sua bancada. Já Pedro Passos Coelho despediu-se do Parlamento, foi aplaudido com entusiasmo pelos seus pares e até por deputados do CD, mas não mereceu intervenções de outras bancadas, ao contrário do que aconteceu com parlamentares de vários partidos nos últimos anos.
No final de um debate morno – e é assim que os dois protagonistas do PSD e do PS parecem querer que a interacção entre ambos funcione –, o primeiro-ministro dirigiu-se à bancada do PSD para cumprimentar, com um abraço, Fernando Negrão. Já se tinham cruzado na Câmara Municipal de Lisboa, quando o social-democrata foi vereador e foi por aí que começou o diálogo no plenário. Depois, os ecos das conversações entre o PSD de Rui Rio e o Governo ouviram-se no Parlamento. Fernando Negrão manifestou disponibilidade para “chegar a acordo” com o PS nas questões de “interesse nacional”. Mas assegurou que a bancada do PSD será “oposição responsável, construtiva e firme”.
O novo líder parlamentar não repetiu a ideia de que vê os debates quinzenais como “sessões de trabalho”, mas António Costa respondeu a essas declarações de há alguns dias, ao mostrar agrado por perceber que o seu interlocutor não age como se fossem “duelos quinzenais”. É sabido que o primeiro-ministro não gosta do tom mais crispado dos debates: “É com gosto que vejo estes debates retomarem a normalidade que inspirou quem pensou na sua existência quinzenal”.
Foi neste tom e com um único tema que decorreu então a troca de ideias entre os dois. Fernando Negrão puxou o tema da entrada da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa no Montepio, uma operação que foi abordada pelo anterior provedor Pedro Santana Lopes, para dizer que o PSD é contra. “E há uma razão para isso: o dinheiro dos pobres é para obras sociais e não deve ter por destino os bancos e esta é uma questão de princípio para nós”, afirmou Negrão, considerando que a operação transforma o banco numa espécie de “Robin dos Bosques ao contrário”. A operação – acrescentou - é de “grande risco e deve ser assumida por entidades privadas, e não sociais”.
Caso avance essa solução, o PSD abre a porta a uma comissão de inquérito (sem que o tenha dito preto no branco). Mas António Costa quis tranquilizar o social-democrata: “não está tomada nenhuma decisão nem está previsto um calendário”. Só quando estiver disponível a auditoria encomendada por Santana Lopes é que se consegue decidir se é um “bom ou mau investimento”, afirmou o primeiro-ministro.
Depois de António Costa lembrar que foi o ex-provedor que pediu o estudo e que perguntou a opinião ao Governo sobre a entrada da Santa Casa na banca, Negrão lembrou que já houve várias decisões tomadas depois disso e replicou: “Não sacuda a água do capote”. O novo líder parlamentar social-democrata aproveitou para mostrar estranheza sobre a hipótese de ser um Governo de esquerda a assumir o negócio e apontar para o “silêncio completo” dos seus parceiros. Nem BE nem PCP responderam à provocação.
Foi para sossegar os seus parceiros à esquerda que tanto António Costa como Carlos César, líder da bancada do PS, voltaram a elogiar a solução governativa com os “bons resultados” económicos: menos desemprego, economia a crescer. “Não há motivo para mudar o que começámos há dois anos, temos todas as razões para prosseguir”, disse o primeiro-ministro, sem esquecer que é desejável um consenso “o mais amplo possível” na descentralização e nas obras públicas, que deveriam ter o apoio da “maioria de dois terços”.
Sinal de que o tom do PSD nos debates quinzenais mudou mesmo foi a atitude de Fernando Negrão que decidiu terminar a sua intervenção quando viu que já tinha ultrapassado em alguns segundos o tempo previsto, sem que Ferro Rodrigues lhe tivesse chamado a atenção. Para os descontentes da bancada social-democrata faltou ritmo ao novo líder parlamentar e foi curta a escolha de um único tema para questionar António Costa.
As palmas foram mais entusiastas para Pedro Passos Coelho, sentado atrás da bancada do CDS, a quem o Presidente da Assembleia da República reconheceu a correcção e a convicção com que defendeu os seus pontos de vista. Em nome da Assembleia da República, agradeceu ao ex-primeiro-ministro o “serviço à causa pública”, depois de pouco tempo antes lhe ter concedido uma audiência de 15 minutos no seu gabinete.
Fernando Negrão haveria também de cumprimentar Passos Coelho – aliás Assunção Cristas também o fez na sua intervenção –, dizendo que “a História far-lhe-á justiça”. Depois de dois anos de uma relação - até pessoal - difícil, o primeiro-ministro foi contido. Fez uma saudação sobre a forma como Passos Coelho exerceu as suas funções “convicto de que o fez de acordo com com a sua leitura do interesse nacional”.
O ex-líder do PSD foi deputado entre 1991 e 1999, tendo assumido a chefia do Governo entre 2011 e 2015. Voltou ao Parlamento quando a maioria de esquerda inviabilizou um Governo PSD/CDS em 2015. Deixa o PSD e a vida política activa depois da derrota das autárquicas.