Damos armas aos professores, depois aos alunos — e a seguir?
Há 20 anos, a ideia de dar armas aos professores como solução para os tiroteios nas escolas era defendida com cuidado e a nível intermédio. Hoje, o porta-voz desse absurdo é o próprio Presidente Trump.
Praticamente até ao ano 2000, Parkland, uma pequena cidade da Florida, com 23 mil habitantes, não tinha nem lojas nem semáforos e era conhecida por levar o seu nome a sério — terra do parque. Acabou por ceder e hoje tem comércio como qualquer outra comunidade americana.
Isso inclui, portanto, uma loja de armas.
Chama-se CCW Plus e não fica longe da escola Marjory Stoneman Douglas, onde há uma semana um adolescente matou 17 antigos colegas. Não foi na CCW Plus que ele comprou uma “modern sporting rifle”, a arma semiautomática conhecida por AR-15 e promovida como a “espingarda americana” nas campanhas da Associação Nacional de Armas (NRA na sigla em inglês).
Comprou-a em Coral Springs, a oito quilómetros dali e onde existem seis lojas de armas. Tinha muito por onde escolher. Só na Flórida há vendedores oficiais em 575 localidades. A primeira na lista é Avon Park, que tem dez mil habitantes e oito lojas de venda de armas e a última é Vero Beach, que tem 15 mil habitantes e uma única loja, talvez por ser uma espécie de resort à beira mar. Clicando à sorte, lê-se que em Palm Beach há seis lojas de armas e em Saint Petersburg há 28. As duas maiores cidades do estado têm mais oferta: Jacksonville tem 80 lojas e Miami 95.
A tragédia de Parkland foi o 17.º incidente com armas de fogo em escolas americanas este ano, segundo a Everytown for Gun Safety, que junta ataques e acidentes, como o caso da espingarda semi-automática que disparou quando uma aluna de 12 anos deixou cair a mochila no recreio da escola. Num critério discutível mas que evidencia o grau do problema, a Everytown contabilizou 300 incidentes desde 2013, ou seja, uma média de um por semana.
Nos EUA, há armas a mais e é demasiado fácil comprá-las. Até online. Na Flórida, a AR-15 — usada na guerra do Vietname e convertida para uso civil nos anos 1960 — não tem sequer "período de espera" entre a compra e a entrega. Basta ter 18 anos e não ter cadastro.
Em 1999, fui a Denver assistir à 128.ª Convenção Anual da NRA, na altura presidida pelo actor Charlton Heston. O massacre de Columbine (12 estudantes e um professor assassinados) tinha sido dez dias antes e a 18 quilómetros de distância.
Charlton Heston, que acabara de ser eleito pela ala moderada da NRA, explicou que "o problema" dos tiroteios nas escolas não era as armas, mas o ódio, os pais ausentes e os media. "Quando algo terrível e isolado acontece, os nossos telefones tocam a exigir que a NRA explique o inexplicável", disse o actor. "Porquê nós? Porque a história deles precisa de um vilão. Querem que desempenhemos o papel de maus no seu drama de dor pré-empacotada, para lhes darmos programas interessantes entre os anúncios de carros e de comida para gato."
Dessa convenção pós-Columbine, saiu a declaração formal de que a NRA defendia "escolas sem nenhuma arma à excepção da polícia ou do pessoal treinado" — uma porta aberta, ou um eufemismo mal disfarçado, para a ideia de se dar armas aos professores. Charlton Heston conteve-se e deixou Neal Knox, o radical derrotado na corrida pela liderança da associação, a dizer que se os professores de Columbine estivessem armados, o massacre não teria acontecido.
Vinte anos depois, quem advoga esta ideia absurda é o Presidente dos EUA. Esta quarta-feira, Donald Trump defendeu a possibilidade de dar armas de fogo aos professores, desde que eles gostem de armas e sejam treinados para as usar. Como ele já disse que não foi isso que disse, sugiro que vejam o vídeo. É inequívoco.
Mas a principal lição dessa viagem aprendi-a com John Cushman, que acabara de entrar na direcção da NRA. Veio na forma de uma única frase: "É irracional ter medo de um objecto inanimado que não tem vontade própria. A arma não é culpada de cometer um crime. A pessoa é que é." Constato agora que continua no board da NRA e é candidato a mais uma reeleição. No seu currículo, sublinha o facto de ter escrito textos seminais sobre o direito ao uso de armas semi-automáticas.
A NRA bem pode tentar vestir uma pele de cordeiro enviando Dana Loesch para os town hall meetings. É muito comovente ver os alunos e os pais destas escolas fazerem-lhe frente e pedirem um controlo real de armas no país. Mas comove sobretudo porque sabemos que nada vai mudar. E que, com Trump, pode piorar ainda mais.