Nenhum plano ferroviário foi cumprido desde o Estado Novo
Não é preciso recuar aos planos de fomento do Estado Novo para constatar que já nos anos 60 do século passado os planos de investimento ferroviários não eram cumpridos. Na história da democracia raro foi o governo que não resistiu a apresentar o seu plano para os caminhos-de-ferro sem que, no entanto, o tenha executado.
Em 1988 o governo de Cavaco Silva apresentou o Plano de Modernização e Reconversão dos Caminhos de Ferro (1988-1994) que passava por encerrar linhas e modernizar outras. Modernização quase não houve, mas as linhas foram encerradas: de 3608 quilómetros de rede ferroviária no início do período, chegou-se ao fim com 2850 quilómetros. Enquanto isso, o número de quilómetros de auto-estradas em Portugal duplicava de uns modestos 314 quilómetros em 1988 para 687 em 1995.
Com António Guterres (1995-2002) sucede-se o POAT – Plano Operacional de Acessibilidades e Transportes (2000-2006) que se centra sobretudo na construção de auto-estradas sem custos para o utilizador, triplicando o seu número de quilómetros. Inicia-se, contudo, o investimento ferroviário no corredor Braga – Faro, aproveitando a dinâmica do Euro 2004. É também nesta altura que se começa a falar da alta velocidade, defendendo-se então o “T deitado”: uma linha Lisboa-Porto que bifurcava para Espanha. Ainda assim, durante este período a rede ferroviária é reduzida de 2850 para 2800 quilómetros.
Durão Barroso, que governa de 2002 a 2004, mantem o POAT em vigor, mas o mandato é marcado pelo milagre da multiplicação das linhas de alta velocidade, apresentadas com pompa e circunstância na cimeira ibérica da Figueira da Foz em 2003. O TGV chegaria de Lisboa e Porto à Galiza, a Madrid, a Évora, a Faro. Nenhuma dessas linhas se construiu.
O POAT dará lugar, com José Sócrates (2005-2011), às Orientações Estratégicas para o Sector Ferroviário apresentadas também em ambiente festivo, desta vez em Lisboa no Parque das Nações. Mário Lino e Ana Paula Vitorino anunciam um ambicioso plano de modernização da rede ferroviária nacional que tem por base as linhas de alta velocidade. A rede convencional é secundarizada, em particular a linha do Norte, verdadeira coluna vertebral da ferrovia portuguesa, que desde 1999 vinha, aos soluços, a ser modernizada (modernização que ainda hoje não está concluída).
O desígnio do TGV fez ainda cair algumas linhas que, entretanto definhavam à míngua de investimento: o Corgo, o Tua, o Tâmega e a linha Pampilhosa – Figueira da Foz desaparecem da geografia ferroviária.
A austeridade de Pedro Passos Coelho (2011-2015) arrumou a alta velocidade na prateleira, congelou as obras do Metro Mondego condenando à morte a linha de Coimbra à Lousã, e fechou no Alentejo o troço Beja – Funcheira. Mas foi anunciado um Plano Estratégico de Transportes e Infraestruturas (PETI3+) que assentava em investimentos vocacionados para as mercadorias, ignorando o transporte ferroviário de passageiros enquanto garante de coesão social e instrumento de ordenamento do território.
Também aqui nada se fez. António Costa toma posse em 2015 e é pragmático: o governo não vai meter o plano anterior na gaveta como fizeram os anteriores e vai aproveitar o PETI3+ rebaptizado agora de Ferrovia 2020. Sobre TGV, António Costa falou este domingo, numa entrevista ao jornal espanhol ABC, para dizer que "a alta velocidade é um tema tabu na política portuguesa e vai sê-lo por muito tempo”.
Portugal tem nesta altura 2546 quilómetros de linhas férreas e praticamente não tem rede ferroviária, substituída por um eixo vertical Braga – Faro de onde irradiam algumas linhas e ramais.
E o que aconteceu às auto-estradas? Dos 687 quilómetros que existiam em 1995, o país chega a 2017 com 11.108 quilómetros de auto-estradas. O memorando da troika, durante o mandato de Passos Coelho, não impede um aumento significativo destas vias rodoviárias e é durante esta altura que Portugal se torna o único país da Europa onde o número de quilómetros de auto-estradas ultrapassa o número de quilómetros de linhas férreas.